domingo, 31 de maio de 2009

O subliminal positivista e a personalidade humana - Ler Matéria - Revista RIE

Cairbar Schutel

Publicado na RIE em setembro de 1930

SÃO PAULO, o doutor dos gentios, numa das suas memoráveis epístolas, revoltado contra a incredulidade dos sábios do seu tempo, disse que — “a ciência incha e o amor edifica”.
Esta sentença de quatro palavras traduz perfeitamente o modo de ver a vida por aqueles que, presos à ciência convencional do nosso mundo, parece terem feito profissão de fé negativista.
A muita ciência, para os que não estão treinados nas lides espirituais, não há dúvida que conduz à descrença. O atleta que só exercita os músculos dos braços não pode ter fortes os das pernas e vice-versa.
Quem cultiva o intelecto, fazendo isolar as vibrações do cérebro das vibrações do coração, não se pode equilibrar sob os ditames da verdade, porque a verdade não é só raciocínio, mas sentimento também; o homem pensa, mas sente e muitas vezes o sentimento se alia mais facilmente à percepção que à própria razão. Se de um lado o ser humano é dotado de visão e audição, de outro ele tem sensações, porque sem sensação não pode haver percepção.
Sabemos que todas as manifestações se fazem por meio de vibrações que despertam a sensação, visto ser a sensação a única via que vai ter à percepção.
Como isolar-se o homem do horizonte largo em que deve agir para cercear-se a estreitos limites que não abrangem absolutamente o seu campo de ação, e negar seres e coisas que não são percebidos pelas suas vistas! Vamos concordar que esse modo de julgar destoa completamente dos princípios da lógica e do bom senso.
Encerrar-se o “sábio” num positivismo dogmático, cuja conclusão antecipada é a dissolução, o neantismo, a morte como epílogo da existência terrestre, fazer deste dogma um princípio, um postulado, e proclamar depois que todas as manifestações psíquicas nada mais são que estratificações de propriedades vitais do médium, é o cúmulo do senso pervertido aliado ao orgulho.
Como poderá o médium construir inconscientemente personalidades que nunca conheceu e que demonstram a sua identidade como tendo vivido na Terra! Como poderá essa “estratificação mediúnica” se transformar em individualidades que se fotografam e materializam-se, afirmando-se completamente distintas da pessoa do médium, narrando sua existência anterior, dando seus nomes, idade, local de nascimento e falecimento, contando particularidades da sua vida, de pleno acordo com os registros e pesquisas feitas depois com grandes dificuldades, sendo ainda que não só o médium como os assistentes ignoravam todos esses fatos e desconheciam o próprio indivíduo!
Que teoria difícil, para não dizer impossível de se compreender, é essa proclamada pelos “positivistas da ciência”!
O próprio adepto de tão extravagantes ideias não sabe como se haver para conciliar os princípios dos “complexos físicos” com os do panteísmo que absorve a força vital com o seu inconsciente no Todo Universal.
A negação da alma como entidade permanente que assiste e preside a renovação das células e subsiste ao desmembramento do corpo, não se apoia em fato algum que os materialistas possam evocar para fazerem valer a sua teoria. Ela não passa de uma teoria negativista com brilhos de ciência.
Ao contrário, todos os fatos psíquicos, sejam os anímicos, sejam os propriamente ditos espíritas, vêm em favor da “teoria espírita”, muito racional, muito lógica e que não nasceu de um artigo de fé, de um dogma, mas dos próprios fatos que ergueram-na sobre os seus sólidos fundamentos.
Demais, como explicar esses “complexos de propriedades físicas” vencendo o fluxo e refluxo da matéria, guardando reminiscências, presidindo os atos da memória, finalmente, exercendo uma tarefa inteligente, melindrosíssima em que a inteligência é figura proeminente, mas sem consciência do que faz, e coisa mais irrisória ainda, sem consciência de si mesma!
Uma inteligência que não é inteligência, uma sabedoria que não é sabedoria, um ser que age de maneira verdadeiramente douta, aumenta concomitantemente em saber, em critério, com espírito de distribuição equitativa, que morre mas que não morre, que se extingue com o último alento dos pulmões, com a última palpitação do coração, mas que, entretanto, quintessencia-se por uma transformação enigmática, e apresenta-se na forma subliminal fazendo milagres, operando maravilhas e prodígios, é mais sublime ainda que o homunculos de Wagner admirado por Mefistófeles.
A Ciência é um grande ascensor do progresso humano, mas quando descamba pelos terrenos acidentados da negação sistemática é um dos maiores fatores do retrocesso, da degradação da humanidade.
O subliminal do positivismo não resiste a uma análise.
Em face da ciência cai diante das provas palpáveis que nos são apresentadas todos os dias; em face da moral é a desagregação da família, da sociedade, é as trevas se batendo contra a luz, é a queda da humanidade alheia a todos os sentimentos altruísticos, a todas as nobres paixões que nos guiam à senda da verdadeira felicidade.

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