quarta-feira, 29 de outubro de 2008

BEM AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPIRITO

BEM AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPIRITO

BEM-AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPÍRITO

Bem-aventurados os porque deles é o reino dos céus - tal foi a sentença com que Jesus iniciou as suas prédicas. Humildes de espírito - notemos bem - e não somente humildes. Se ele tivesse omitido aquele complemento não se teria revelado o incomparável mestre, o consumado pedagogo e o excelso psicólogo, cujas qualidades e méritos singulares jamais foram ou serão igualados neste mundo.

A despeito mesmo da clareza meridiana da beatitude em apreço, ainda assim, não tem sido compreendido em essência o relevante sinamento que encerra em sua singeleza e plicidade. Vamos, por isso, meditar com os nossos benévolos leitores, a dita frase, que, como todas as lições do Mestre, é sempre oportuna em todas as época da humanidade.

E, por serem desta natureza, as palavras do Ungido de Deus nunca passarão, conforme ele mesmo afirma, com aquela autoridade serena e calma que caracteriza a sua inconfundível personalidade. Realmente, sua palavra, sendo, como é, de perene atualidade, não pode passar como passa a dos homens, que, em dado tempo, assume foros de infalibilidade, para, logo depois, ser proscrita, caindo em caducidade.

O Verbo messiânico é a fonte da água viva, manando sempre fresca e renovada; enquanto que a palavra dos sátrapas terrenos é a água de cisterna, estagnada no personalismo que a polui e contamina. Humildes de espírito ou de coração. Está perfeitamente clara e concisa a sentença. Não se trata, portanto, de humildes de posição social, nem de humildes em relação à posse de bens materiais; nem, ainda, de humildes de intelecto, isto é, de ignorantes e analfabetos; nem tão-pouco de humildes no que respeita à profissão que exercem e às vestimentas que usam.

A assertiva ora comentada reporta-se a humildes de espírito, isto é, àqueles cujos corações estejam escoimados do orgulho sob suas múltiplas modalidades. Na classe dos humildes de intelecto, de posição, de fortuna, de profissão e de indumentária, viceja também o orgulho, tal como sói acontecer entre os demais componentes da sociedade humana.

Aquele sentimento não escolhe nem distingue classes; vai-se aninhando onde encontra guarida, seja na alma do sábio como na do ignaro; seja na alma do rico como na do mendigo que estende a mão à caridade pública; seja na alma do potentado que enfeixa poderes e exerce autoridades, que governa povos e dirige que perambula pelas titulares e dos togados, seja na daquele que cavam o solo ou que removem os detritos das cidades.

O orgulho assume várias formas diversas para cada classe, como para cada indivíduo. Ninguém escapa às suas arremetidas e a felonia das suas artimanhas e das suas esdrúxulas concepções. E' o pecado original que o homem traz consigo ao nascer, como fruto que é, do egoísmo, do apego ao "eu" extremada gera todas as gamas e todas as mais variadas nuanças que o orgulho assume, desde a soberba arrogante e tirana, até as formas depetulância grotesta e ridícula.

É o grande fator de discórdia entre os homens. É o elemento desaglutinador por excelência, semeando a cizânia em todos os campos de ação onde os homens exercem suas atividades. Medra e viça despejadamente no campo dos pobres como no dos argentários; no dos no douto e eruditos como dos iletrados e incultos; nas academias como nas feiras livres; nos antros do vício como nos templos e nos altares.

Não há terreno sáfaro ou estéril neste mundo, para esta planta daninha; não existe clima que lhe não seja propício, nem ambiência que seja refratária à sua proliferação. Há orgulho de raça, de nacionalidade e de estirpe; há orgulho de profissão, de títulos e pergaminhos; de crença ou orgulho religioso, um dos aspectos mais terríveis daquele sentimento, de vez que gerou, outrora, o ódio entre os profitentes de vários credos que, mutuamente, se trucidaram numa luta fratricida e cruel, mantendo, ainda no presente, a separação e o dissídio no seio da família humana.

O orgulho não procura base para apoiar as suas pretensões. Manifesta-se com ou sem motivos que o justifiquem; com ou sem razão alguma que explique a sua existência. Nos ricos é a riqueza que o gera e sustenta. Nos que conhecem algo em qualquer ramo do que se convencionou denominar — ciência — é o pouco saber que o mantém, nos pobres é a inveja que o alimenta; nos inscientes e semi-analfabetos é a própria ignorância que o conserva sempre vivo e palpitante; finalmente, nos tolos e fátuos, é a debilidade mental, a fraqueza de espírito que o provê do alimento necessário.

Tudo, como se vê, pode ser causa de orgulho. Há facínoras que se envaidecem dos crimes bárbaros que cometem, vendo em suas sangrentas façanhas gestos de heroísmo e de valor. Do orgulho procedem todas as megalomanias, das mais grotestas às mais perigosas, como aquela que tem por escopo o domínio do mundo. São incontáveis os malefícios que o orgulho engendra no coração humano, ocultando-se e disfarçando-se de todas as formas.

E' assim que vemos pessoas cujas palavras, escritas ou faladas, são amenas e cheias de doçura; ao sentirem-se, porém, melindrdas no seu excessivo amor-próprio, ei-las transformadas em verdadeiras feras, insultando e agredindo, na defesa do que chamam - dignidade.

Neste particular, as vítimas do orgulho incidem num equívoco muito generalizado. A verdadeira defesa da nossa dignidade é uma operação toda de caráter íntimo. É no interior, no recesso das nossas almas que se deve processar a vigilância e a defesa de nosso brio, de nossa honra e de nossa dignidade.

Quando, aí, nesse tribunal secreto, de nada nos acuse a consciência - essa faculdade soberana e augusta, através da qual podemos ouvir e sentir a voz do Supremo Juiz -, devemos ficar tranquilos, mesmo que sejamos acusados dos maiores delitos e das mais graves culpas.

Infelizmente, porém, os homens fazem o contrário: descuram da vigilância interna; fazem ouvidos moucos aos protestos da consciência própria, a despeito de suas reiteradas e constantes observações, para curarem, com excessivo zelo, da defesa exterior, isto é, do que dizem e pensam deles.

É o orgulho que ofusca a razão humana, arrastando o homem à pratica de semelhante insânia e de outros tantos despautérios e incongruências. Vítima da obnubilação mental, o orgulhoso fecha-se como a ostra, dentro de si mesmo, isolando-se do convívio social e tornando-se impermeável às inspirações e sugestões dos bons elementos espirituais que, no desempenho de sua missão de amor, procuram auxiliar e conduzir os encarnados ao porto seguro da redenção.

Daí a razão por que Jesus assim se exprimiu acerca desse fato, por ele observado: "Graças te dou, meu Pai, porque revelas as tuas coisas aos simples e pequenos, e as esconde dos sábios e dos grandes". Deus nada esconde dos homens; estes em sua vaidade e soberba, é que se tornam impermeáveis às revelações do Alto, como insensíveis aos reclamos da própria consciência.

O orgulho como se vê, constitui a grande pedra de tropeço no caminho de nossa evolução, já no que respeita ao desenvolvimento da inteligência, como no que concerne à esfera do sentimento. Justifica-se, pois, plenamente, o esforço do Divino Mestre, procurando incutir no espírito do homem a necessidade de combater o grande e perigoso inimigo do seu progresso intelectual e do seu aperfeiçoamento moral.

O meio de efetuar com êxito essa campanha, consiste em cultivar o elemento ou a virtude que se opõe ao orgulho: a humildade. Assim como nos servimos da água para extinguir os incêndios, assim cumpre que conquistemos a humildade de espírito, para alijarmos o orgulho dos nossos corações.

Todo veneno tem o seu antídoto. Todos os vícios e paixões que degradam o homem têm as virtudes que lhes são opostas, de cujo cultivo resulta a vitória sobre aquelas. Quando não queiramos, de moto próprio, empreender essa luta, seremos forçados a fazê-lo, mediante o influxo da dor.

O batismo da água nada pode contra os senões e os males do nosso caráter; mas o do fogo age sempre com eficiência em todas as conjunturas e emergências da vida. Outro malefício produzido pelo orgulho consiste em criar nos indivíduos o que pderíamos denominar, talvez com acerto, de complexo de superioridade. Imbuídos dessa presunção, desferem vôo, batendo as asas de ícaro, elevando-se às altas regiões das fantasias mórbidas, criadas pela imaginação, até que um dia se despenham, rolando no pó, para que se confirme a sabedoria da máxima evangélica: Aquele que se exalta será humilhado.

Recapitulando o expôsto sobre a primeira beatitude do Sermão do Monte, verificamos que humildade não quer dizer não quer dizer pobreza ou miséria; não quer dizer desasseio nem farandolagem; n]não quer dizer ignorância nem analfabetismo; não quer dizer também inaptidão e imbecilidade — de vez que o homem pode ser pobre, miserável, desasseado, maltrapilho, fageirento, néscio, inábil e bronco, sem possuir, todavia, a sublime virtude que Jesus, o Ungido de Deus, predicou pela palavra e pelo exemplo, nascendo num estábulo e morrendo numa cruz.

Cumpre ainda reportarmos a uma certa deturpação daquela excelsa virtude cristã, por parte daqueles que a pretendem confundir, seja por ignorância, seja de má fé, visando a inconfessáveis interesses, com subserviência ou passividade. Segundo este critério, bastante generalizado em certos meios, a pessoa humilde é aquela que se conserva impassível em todas as emergências em que se encontre; é aquela que não protesta nem reage contra as iniquidades de que seja vítima ou que se consumem aos seus olhos; é aquela que se submete, se agacha e se posterna diante de toda manifestação de força, de prepotência e de poderes, por mais absurdos e iníquos que sejam; é aquela que se julga inferior, incapaz, impotente, sem prestígio sem mérito, sem valor nenhum, em suma, que se supõe uma nulidade completa.

Semelhante juízo sobre a humildade é uma afronta atirada ao Cristianismo de Jesus. Não obtante, há muita gente, dentro e fora daquela doutrina, que pensa desse modo e incute nessas ignaras semelhante absurdidade. A humildade não se incompatibiliza com energia de ação, de vez que a energia é também uma virtude. Tão-pouco, ser humilde importa em nos desdenharmos, desmerecendo-nos e nos apoucando no conceito próprio.

Aquele que descrê de si mesmo é um fracassado na vida. Em realidade, devemos considerar-nos como obras divinas, que de fato somos, e portanto, de valor infinito. Devemos valorizar essa obra, na parte que nos toca, lutando incessantemente pela nossa espiritualização, libertando-nos das injunções inferiores da animalidade, a fim de que nos aproximemos da Suprema Perfeição - fonte eterna de onde promana a vida, debaixo de todas as suas formas e modalidades.

Esta lição que aprendemos no Evangelho; esta é a verdadeira doutrina messiânica. Para o divino Mestre, todo homem é filho de Deus representando, por isso, valia incomparável. Haja vista como Ele tratou os leprosos, a mulher adúltera e a grande pecadora. Para Ele, o mais enfermo é o que mais precisa da sua medicina. A ninguém desprezava e a e a ninguém jamais ensinou que se desprezasse e se aviltasse a si mesmo,mas que se erguesse do pó e da lama, voltando-se para a frente e para o Alto.

Tende bom ânimo - era a sua advertência predileta. Tudo é possível àquele que crê — foi também o seu estribilho. Quanto à energia, Jesus deu desta virtude, os mais edificantes testemunho em todas as conjunturas da sua vida terrena, culimando na expuls são dos vendilhões do templo, os quais apostrofou com estas candentes palavras: Fizestes da casa de oração um covil de ladrões.

Francisco de Assis — o grande apóstolo da humildade —, quem ousará negar que foi ele enérgico na sustentação dos postulados que encarnara? Sua existência toda foi um exemplo de humildade, aliada ao combate franco e decidido ao reverso daquela virtude, isto é, ao luxo, às pompas, ao fausto e a todas as expressões de grandeza e de exterioridade fascinadoras dos sentidos.

Não precisamos, pois, incompatibilizar-nos com a energia, para que sejamos humildes; não precisamos, outrossim, amesquinharmo-nos e nos desmerecermos aos nossos próprios olhos, para engastarmos em nossos caracteres o magnífico diamante cristão: basta que reconheçamos, em Deus, o pai comum de toda a Humanidade; e nos homens — sem distinção de raças, classes e credos — nossos irmãos, procedentes da mesma origem, com os mesmos direitos, sujeitos à mesma lei de justiça, votados, todos, ao mesmo destino, sem exclusivismos, sem privilégios de espécie alguma, sem exceçôes odiosas, estas ou aquelas — porquanto, humildade significa ausência de orgulho dominando o espírito; significa coração simples, destituído de soberba, iluminado pelas claridades da justiça divina, justiça essa que desperta nas almas o verdadeiro senso de igualdade e o sagrado sentimento de fraternidade.

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