sábado, 2 de novembro de 2019

Finados?


No estudo da palpitante questão da morte, muitas pessoas se detêm apenas no fenômeno biológico da desintegração molecular, que lhes impede a permanência, por mais largo tempo, guindadas ao carro do prazer.

Consideram-na como sendo o fim da existência do ser eterno, e não se permitem auscultar a Natureza onde se expressam os mais vibrantes quadros de transformação, de morte para imediato renascimento, ensinando a perenidade do fluxo vital em intérminos processos da renovação.

Aqui, aparece o córrego transparente e cantante; ali, se alarga o pântano estagnado e morto.
À frente, a árvore estuante e pejada de frutos; ao lado, o sarçal requeimado pelo Sol, quase sem vida.
Em uma área fresca, a abundância da horta abençoada; noutro espaço, o deserto árido...

Uns e outros, aguardando trabalho, retificação e apoio, a fim de manterem o milagre da vida.

No corpo em que te movimentas, a morte das células e moléculas é constante, sem que se altere a vida, em contínua transformação.

Age, pois, conscientemente, de modo que te não convertas, atraído pelo utilitarismo, em parasita sugador dos recursos vitais, a um passo da cadaverização moral, que é uma forma de morte na vida...
Morrer é viajar no rumo de novos comportamentos.

Porque traz de volta o viajante, que partiu para a aprendizagem terrena, é natural que ele seja convidado, quando do retorno, a exame e prestação de contas dos recursos aplicados e dos resultados conseguidos durante o curso terrestre.

Recuperada a lucidez, faz-se mais severo o critério pessoal de avaliação dos atos.

Passada a oportunidade, compreende-se-lhe melhor o alto significado de que se revestiu.

Concluída a luta, é mais fácil de serem examinados os seus lances.

Desse modo, enquanto te encontras na dádiva do corpo, utiliza-te de todos os momentos para dignificar-te, agindo com sentimentos elevados e aprendendo com sacrifício.

Respeita o tempo de que dispões, entesourando os valores morais que podem ser investidos em obras de duração eterna, porquanto, em ti chegando a morte, queiras ou não, creias ou lhe abomines a realidade, despertarás, prosseguindo na vida, conforme a forjaste anteriormente.

Prosseguindo na Vida.



Autor: Joanna de Ângelis
Do livro: Luz da Esperança

Ante os que partiram



Nenhum sofrimento, na Terra, será talvez comparável ao daquele coração que se debruça sobre outro coração regelado e querido que o ataúde transporta para o grande silêncio.

Ver a névoa da morte estampar-se, inexorável, na fisionomia dos que mais amamos, e cerrar-lhes os olhos no adeus indescritível, é como despedaçar a própria alma e prosseguir vivendo...

Digam aqueles que já estreitaram de encontro ao peito um filhinho transfigurado em anjo da agonia; um esposo que se despede, procurando debalde mover os lábios mudos; uma companheira, cujas mãos consagradas à ternura pendem extintas; um amigo que tomba desfalecente para não mais se erguer, ou um semblante materno acostumado a abençoar, e que nada mais consegue exprimir senão a dor da extrema separação, através da última lágrima!

Falem aqueles que, um dia, se inclinaram, esmagados de solidão, à frente de um túmulo; os que se rojaram em prece nas cinzas que recobrem a derradeira recordação dos entes inesquecíveis; os que caíram, varados de saudade, carregando no seio o esquife dos próprios sonhos; os que tatearam, gemendo, a lousa imóvel, e os que soluçaram de angústia, no adito dos próprios pensamentos, perguntando, em vão, pela presença dos que partiram...

Todavia, quando semelhante provação te bata à porta, reprime o desespero e dilui a corrente da mágoa na fonte viva da oração, porque os chamados mortos são apenas ausentes e as gotas de teu pranto lhes fustigam a alma como chuva de fel.

Também eles pensam e lutam, sentem e choram.

Atravessam a faixa do sepulcro como quem se desvencilha da noite, mas, na madrugada do novo dia, inquietam-se pelos que ficaram... Ouvem-lhes os gritos e as súplicas, na onda mental que rompe a barreira da grande sombra e tremem cada vez que os laços afetivos da retaguarda se rendem à inconformação ou se voltam para o suicídio.

Lamentam-se quanto aos erros praticados e trabalham, com afinco, na regeneração que lhes diz respeito.

Estimulam-te à prática do bem, partilhando-te as dores e as alegria.

Rejubilam-se com as tuas vitórias no mundo interior e consolam-te nas horas amargas para que te não percas no frio do desencanto.

Tranquiliza, desse modo, os companheiros que demandam o Além, suportando corajosamente a despedida temporária, e honra-lhes a memória, abraçando com nobreza os deveres que te legaram.

Recorda que, em futuro próximo que imaginas, respirarás entre eles, comungando-lhes as necessidades e os problemas, porquanto terminarás também a própria viagem no mar das provas redentoras...

E, vencendo para sempre o terror da morte, não nos será lícito esquecer que Jesus, o nosso Divino Mestre e Herói do Túmulo Vazio, nasceu em noite escura, viveu entre os infortúnios da Terra e expirou na cruz, em tarde pardacenta, sobre um monte empedrado, mas ressuscitou aos cânticos da manhã, no fulgor de um jardim.


Emmanuel
("Religião dos Espíritos", 58, Francisco C. Xavier, FEB)