terça-feira, 14 de março de 2023

Pesquisadores brasileiros são premiados em concurso mundial sobre vida após a morte

Por Eliana Haddad

Alexandre Caroli



Com um ensaio sobre a obra psicográfica de Chico Xavier, os pesquisadores Alexandre Caroli Rocha, Marina Weiler e Raphael Fernandes Casseb foram premiados no concurso promovido por Robert Bigelow, magnata norte-americano, sobre as melhores evidências que comprovariam a existência da vida após a morte.

Nos últimos 30 anos, o empresário tem investido em pesquisas sobre fenômenos paranormais, buscas por vida extraterrestre e em projetos espaciais.

Para esse concurso, Bigelow destinou aproximadamente dois milhões de dólares em prêmios. Os três primeiros lugares ficaram, respectivamente, com Jeffrey Mishlove: “A sobrevivência da consciência humana após a morte corporal permanente”; Pim van Lommel: “A continuidade da consciência: um conceito baseado em pesquisas científicas sobre experiências de quase-morte durante parada cardíaca” e Leo Ruickbie: “O fantasma na máquina do tempo”. No segundo grupo, foram escolhidos mais onze ensaios, e houve também menções honrosas a um terceiro grupo, com 15 ensaios.

Cerca de 1.300 pessoas se propuseram a participar, das quais pouco mais de 200 foram aceitas, de acordo com critérios do concurso, e enviaram ensaios. Havia concorrentes de 38 países. No final, 29 trabalhos foram premiados.


A comissão julgadora

O concurso demostrou que há uma grande variedade de fenômenos que pesam em favor da sobrevivência da consciência humana após a morte corporal. A comissão julgadora foi formada por profissionais renomados: o psiquiatra Christopher C. Green, neurocientista do Detroit Medical Center; Jeffrey J. Kripal, professor de filosofia na Rice University; a jornalista investigativa Leslie Kean, autora do livro Sobrevivendo à morte: um jornalista investiga evidências para uma vida após a morte, obra em que foi baseada a série Vida após a morte (Netflix); o escritor e psiquiatra Brian Weiss (autor de Muitas vidas, muitos mestres); Jessica Utts, professora de estatística da Universidade da Califórnia; e o engenheiro Harold Puthoff, diretor do Institute for Advanced Studies at Austin.


Análise de psicografias

Os três brasileiros apresentaram um ensaio sobre a psicografia de Chico Xavier, intitulado A mediunidade como a melhor evidência para a vida após a morte: Francisco Cândido Xavier, um corvo branco*, que foi premiado no segundo grupo. Foi o único a centrar seus argumentos na análise de psicografias.

“Dividimos os livros do Chico Xavier em três grupos: primeiro, aqueles que ele atribuiu a autores como Emmanuel e André Luiz, nomes que não nos remetem a pessoas conhecidas; segundo, os atribuídos a escritores bem identificados, com obra publicada em vida, como Humberto de Campos, Olavo Bilac e dezenas de outros; terceiro, os das cartas familiares, atribuídas a pessoas bem identificadas, mas sem obra publicada em vida. Esses três grupos têm diferentes estratégias para justificar suas alegadas autorias. Levamos em conta os registros biográficos do médium e a maneira como ele produzia os textos”, explica Alexandre Caroli, doutor em teoria e história literária, que desenvolveu na Unicamp trabalhos sobre livros do médium mineiro (O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade e A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo).

Para a neurocientista Marina Weiler, que reside atualmente nos Estados Unidos, “a obra psicográfica de Chico Xavier apresenta informações muito detalhadas e específicas dos autores aos quais as obras são atribuídas, muitas vezes de conhecimento apenas do falecido autor. No nosso ensaio, tentamos mostrar exemplos dessas informações inacessíveis a Chico Xavier para fortalecer a hipótese de uma existência de vida após a morte”.

Marina Weiler


Tema controverso para a ciência

Segundo Raphael Casseb, também neurocientista, “o concurso permitiu chamar a atenção para um tema que é normalmente ignorado na grande maioria dos centros de pesquisa. Ao promover o concurso, o empresário americano ligou os holofotes sobre um tema controverso para a ciência, mas de um interesse imensurável para a sociedade, que é a continuidade (ou não) de alguma forma da personalidade humana”.

Os autores acrescentam que a obra de Chico Xavier “fornece fenômenos tão intrigantes que muitos cientistas preferem ignorar, porque lhes causam desconforto. Entretanto, com esse ensaio, não pretendemos achar provas definitivas de vida após a morte, tampouco achamos que estamos lidando com uma verdade inquestionável. Nosso objetivo foi convidar os leitores, principalmente os cientistas, a estudarem o tema de mente aberta, uma vez que esses fenômenos desafiam as visões tradicionais do meio acadêmico”.

Os prêmios foram entregues em cerimônia em Las Vegas, em 4 de dezembro**, e os 29 ensaios foram reunidos em série especial de livros, que serão doados internacionalmente para universidades e hospitais, para que o tema seja divulgado de forma mais ampla.





* Corvo Branco é uma expressão da filosofia contra o indutivismo, que obtém conclusões gerais a partir de premissas individuais. Ou seja, basta um corvo branco para falsificar a afirmação de que todos os corvos são negros.

**De 2021.


Raphael Casseb



Estão disponíveis on-line gratuitamente os 29 textos premiados na competição de ensaios sobre evidências científicas da sobrevivência da consciência após a morte do corpo promovido pelo Bigelow Institute for Consciousness Studies (BICS).

O concurso distribuiu US$1,8 milhões e recebeu 204 ensaios de pesquisadores de 38 países.














Nota do blogueiro: links corrigidos desde a publicação original.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Os espíritas devem influir no meio social

Cláudio Bueno da Silva


Imagem de Axel Mellin por Pixabay



Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença, apresentando, com humildade e conhecimento, a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Sob os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.



Não serão os momentos de crise uma oportunidade para que o movimento espírita se manifeste, marcando sua posição filosófica e contribuindo para trazer luz à sociedade? Não serão os momentos difíceis também apropriados para emitir sua opinião sobre questões de interesse geral, influindo nas massas, propondo discussão para os problemas humanos?

Muitos espíritas brasileiros já fizeram isso no passado, com significativa atuação no meio social: Herculano Pires, Freitas Nobre, Jorge Rizzini, Leopoldo Machado, Cairbar Schutel, Eurípedes Barsanulfo, Bezerra de Menezes, Anália Franco. E hoje, será possível essa representatividade?

Provavelmente não com a mesma riqueza de valores humanos, mas, com os recursos da internet é possível fazer-se algo interessante. Temos visto aparecer inúmeros companheiros e instituições formando grupos, páginas, sites, blogs, com material de opinião crítica, cultural e elucidação de temas variados, e como se sabe, a internet faz esse material chegar a muita gente.

E o movimento espírita que basicamente só se tem manifestado em público para tratar do aborto e de movimentos pela paz, vê agora a oportunidade de expor à sociedade um leque ilimitado de assuntos. Porém, essa facilitação tecnológica não interfere num sério e antigo problema do movimento espírita que é a falta de unidade na interpretação da Doutrina. A internet certamente amplificará tanto os conceitos mais ajustados ao pensamento doutrinário, quanto os que contenham imprecisões, dependendo de quem os emita.



O diferencial espírita



O Espiritismo, fundado em princípios naturais, propõe uma visão original de homem e de mundo não cogitada com a mesma amplitude, racionalidade e clareza por outras filosofias ou religiões. É o que afirmam os expoentes da cultura espírita. Daí a importância dos espíritas pensarem as questões humanas conjuntamente com a sociedade.

O diferencial do Espiritismo está precisamente no seu conteúdo de revelação e elaboração humana e divina. A explicação espírita de Deus, da vida, do universo, do mundo, é extremamente pedagógica, como eram os ensinos de Jesus que o homem complicou a não poder mais através do tempo. Jesus conviveu no meio do povo, mas não abdicou dos seus princípios em momento algum. Não adaptou seus ensinos só para ser agradável ao poder dominante ,nem para ser aceito pelas correntes religiosas que veio transformar.

O Espiritismo, com Allan Kardec, se associou às iniciativas de Jesus no propósito de dar continuidade a essa transformação e ao consequente progresso da humanidade. Além de tornar acessível a moral daquele homem, descortinou o mundo dos Espíritos: “A descoberta do mundo dos invisíveis […] é mais que uma descoberta, é uma revolução nas ideias”, disse Allan Kardec [1].

Quando esse conhecimento estiver largamente disseminado, trará contribuições incalculáveis para o progresso geral. Os espíritas não podem desperdiçar o legado que receberam do gênio de Allan Kardec e da operosidade dos espíritos superiores.



A questão das interpretações



Não se deve perder de vista a unidade doutrinária do Espiritismo [2], contudo, devido a interpretações particulares de indivíduos e grupos, a doutrina é entendida de maneiras diversas e, com isso, corre o risco de perder a identidade de movimento restaurador e renovador, acabando por se tornar, em alguns aspectos, parecido com as correntes religiosas que prendem o homem ao invés de libertá-lo.

Infelizmente. Mas já que é assim – e isso parece ser uma consequência natural e incontornável da heterogeneidade humana [2] –, o sensato será procurar a coerência e a fidelidade como um fim a ser atingido na conduta individual e na divulgação do ideal espírita. Isto, preservando a unidade original de princípios, toda desenhada na obra de Allan Kardec, para apresentá-la ao mundo como ela é, sem repetir os erros históricos do movimento cristão.

O Espiritismo tem força moral suficiente para influir no meio social mudando atitudes e comportamentos. Claro que isso depende de como o pensamento e o fazer espíritas chegam às pessoas. Não será fazendo “caravanas religiosas” para a “meca espírita”, não será com posturas místicas, cultuando médiuns e Espíritos, criando símbolos e modismos, nem se isolando dentro das instituições, que os espíritas firmarão posição. Isso já fazem os religiosos de vários matizes. Essa conduta desvia o movimento das suas finalidades. A postura devocional, tímida, neutra e contraditória, afasta o espírita do que é essencial. Além da humanização de cada um, o Espiritismo propõe a construção de um mundo mais justo e fraterno.



Um desafio: fazer a diferença



Um dos grandes desafios para os espíritas será compreender o mais justamente possível a essência progressiva e progressista da Doutrina. E isso não se consegue sem o amadurecimento do estudo, do diálogo e do debate em grupo. É com esse viés que ela deve ser propagada, vivida com autenticidade, sem artificialismos. Os espíritas não devem temer a discussão dos assuntos que inquietam a humanidade, muitos deles já trazidos por Kardec em suas obras.

A propagação do ideário espírita será mais eficiente através do diálogo social, ainda que agora mais virtualmente. A prática espírita, dentro e fora do centro espírita, propõe o convívio baseado na compreensão das diferentes opiniões, na tolerância em relação ao contrário, sem imposições. Importante que os espíritas adiram a uma nova forma de pensar, e se livrem o mais rapidamente possível dos resíduos de velhas concepções religiosas de que estamos mais ou menos contaminados.

Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença. Com humildade e conhecimento, podem apresentar a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Além de pregarem pública e manifestamente os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.



Se os espíritas não fizerem, outros o farão



Enfim, os espíritas podem contribuir com a sociedade no campo das ideias, do pensamento, vulgarizando oportunamente os conhecimentos relativos ao Espírito imortal e tudo o que isto significa. Se os espíritas não fizerem a parte que lhes cabe em função de desvios doutrinários, da inércia e da capitulação às velhas ordens e ditames devocionais e dogmáticos, outros o farão, à sua moda. O progresso não para e em muitas circunstâncias nasce anônimo, em pequenos grupos, em laboratórios, em universidades, da cabeça de estudiosos independentes, de livres pensadores, em todo o mundo.

Mas será bom se os espíritas atenderem à convocação implícita na questão 932, de “O livro dos Espíritos”, ou seja, trazerem sua efetiva contribuição à sociedade com a proposta cultural e espiritual que detêm, sem ufanismo nem excentricidades, para a “grande obra da regeneração pelo Espiritismo” [3].





Notas do Autor:
[1] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Segundo diálogo. “Oposição da Ciência”. Ed. FEB.
[2] KARDEC, Allan. Obras póstumas. “Os cismas”. Ed. LAKE.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo XX. Item 5. Ed. LAKE.



Sobre a atualização da Doutrina Espírita

Nota do blogueiro: este estudo é de 2013, mas continua atual, mesmo 10 anos depois. Vale a leitura.



Elio Mollo



Estudo com base in Revista Espírita de dezembro de 1863, janeiro de 1864 e dezembro de 1868, A Gênese, cap. I, item 55 e Obras Póstumas, 2ª parte, Constituição do Espiritismo – Exposição de Motivos, Os Estatutos Constitutivos

Pesquisa: Elio Mollo
em 04/04/2011 e atualizada em 26/06/2013

domingo, 17 de março de 2013


Independentemente da proposta de qualquer Associação, Federação, Confederação (Espírita), etc. em atualizar o Espiritismo nesta nossa atualidade, os princípios espíritas definidos nas obras da codificação dificilmente conseguirão ser atualizados, pois, eles fazem parte das leis Naturais e Universais.

Quanto a atualizar a Doutrina Espírita segundo a linguagem e os costumes das épocas em que vivemos, Kardec a fazia conforme os estudos que aconteciam na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e, inclusive, usava a Revista Espírita como um laboratório para realizá-la. Pode-se perceber isso, quando até 1863 não se aceitava a possessão e sim a subjugação, mas a partir da Revista Espírita de dezembro de 1863 e janeiro de 1864, narrando o caso da Srta. Julia (Um caso de Possessão), Kardec escreveu o seguinte: "Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado." Sendo assim, o codificador fez o progresso da Doutrina Espírita acontecer automática e naturalmente em seu tempo, em alguns pontos.

Diz Kardec em O Livro dos Médiuns, 2ª parte cap. XIII que "a Ciência Espírita progrediu (e deverá progredir) como todas as outras", teve início com as mesas girantes, cestas de bicos, etc. e chegou até a psicografia como a conhecemos nos dias de hoje, além de outros fenômenos mediúnicos, como podemos observar consultando O Livro dos Médiuns (1861) em especial os capítulos localizados na parte 2 do livro, de XI à XVI.

Também, podemos verificar in A Gênese, cap. I, item 55 que O Espiritismo não se assenta, pois em princípio absoluto senão no que seja demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da observação. Tocando em todos os ramos da economia social, ao qual presta o apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, que qualquer natureza que sejam, chegadas ao estado de verdades práticas, e saídas do domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria; cessando de ser o que é mentiria à sua origem e sua meta providencial. O Espiritismo, marchando com o progresso, não será nunca extravasado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto ele se reformulará sobre este ponto; se uma nova verdade se revela, ela a aceita.

Em Obras Póstumas, 2ª. parte, Constituição do Espiritismo - Exposição de Motivos, Os Estatutos Constitutivos, Kardec diz que "Em menos de um quarto de século não se esboçará um movimento apreciável nas ideias. Será, portanto, de vinte e cinco em vinte e cinco anos que a constituição orgânica do Espiritismo passará por uma revisão. Este lapso de tempo, sem ser muito longo, é suficiente para permitir que sejam apreciadas as novas necessidades, sem trazer perturbações com modificações frequentes."

Como os adeptos do Espiritismo até agora (26 de junho de 2013) não fizeram ou não atentaram para a revisão da Constituição Orgânica do Espiritismo, o problema não será da revisão ou atualização, mas como fazer essa revisão após 156 anos. Com certeza, sem a participação dos Espíritos oferecendo respostas para as nossas dúvidas atuais a revisão não se fará satisfatória (quem sabe tenha que surgir um Livro dos Espíritos nº. 2 com mais um milheiro de perguntas, respostas e observações a exemplo do que fez Allan Kardec), porque a Doutrina é dos Espíritos, assim, ambas as dimensões, encarnados e desencarnados, deverão participar ativamente de cada revisão, uns questionando sobre pontos importantes da atualidade e outros respondendo adequadamente, racionalmente e seriamente as questões.

Outro ponto importante que temos que observar e que Kardec fez sozinho a organização inicial da DE e foi em 1868 (conforme Revista Espírita de dezembro de 1868 (*) e Obras Póstumas, 2ª. parte) que ele propõe fazer através de congressos realizados a cada 25 anos uma revisão.

Para realizar essas revisões diz ele que:


...uma constituição, por muito boa que seja, não poderia ser perpétua. O que é bom para certa época pode tornar-se deficiente em época posterior. As necessidades variam com as épocas e com o desenvolvimento das ideias. Se não se quiser que com o tempo ela caia em desuso, ou que venha a ser postergada pelas ideias progressistas, será necessário caminhe com essas ideias. Dá-se com as doutrinas filosóficas e com as sociedades particulares o que acontece em política e em religião: acompanhar ou não o movimento propulsivo é uma questão de vida ou de morte. No caso de que aqui se trata, fora grave erro acorrentar o futuro por meio de uma regra que se declarasse inflexível.

Não menos grave erro seria introduzir com muita frequência, na constituição orgânica, modificações que acabariam por privá-la de estabilidade. Faz-se mister proceder com ponderação e circunspeção. Só uma experiência de certa duração pode permitir se julgue da utilidade real das modificações. Ora, quem pode em tal caso ser juiz? Não será um único homem, que geralmente só do seu ponto de vista vê as coisas; tampouco será o autor do trabalho primitivo, porque poderá ser demasiado complacente na apreciação da sua obra. Serão os próprios interessados, porque experimentam de modo direto e permanente os efeitos da instituição e podem perceber por onde ela peca.

A revisão dos estatutos constitutivos se fará pelos congressos ordinários, transformados para esse efeito em congressos orgânicos, em determinadas épocas, e assim se prosseguirá indefinidamente, de maneira a conservá-los, sem interrupção, ao nível das necessidades e do progresso das ideias, ainda que a mil anos daqui.

Sendo periódicas e conhecidas antecipadamente as épocas de revisão, não haverá cabimento para se fazerem apelos, nem convocações especiais. A revisão constituirá não apenas um direito, mas também um dever do congresso da época indicada; inscrever-se-á, de antemão, na sua ordem do dia, de sorte que não estará subordinada à boa vontade de quem quer que seja e ninguém poderá arrogar-se o direito de decidir, firmado na sua autoridade particular, se a revisão é ou não oportuna. Se, depois de lidos os estatutos, o congresso julgar desnecessária qualquer modificação, declará-los-á mantidos na íntegra.

Sendo forçosamente limitado o número dos membros dos congressos, atenta a impossibilidade material de reunir neles todos os interessados, para que os que se reúnam não fiquem privados das luzes dos ausentes, todos estes poderão, qualquer que seja o lugar do mundo onde se encontrem, enviar à comissão central, no intervalo de dois congressos orgânicos, suas observações, que serão postas em ordem do dia do congresso vindouro.


Para a realização deste (primeiro) congresso revisório, naturalmente surgem algumas perguntas: Será que estamos preparados suficientemente para realizar uma atualização agora? Não será melhor prepararmos um comitê central (**), conforme sugeriu Kardec, e aguardarmos um tempo mais para formular questões e entrevistar os Espíritos para obter respostas de acordo com as nossas dúvidas atuais? Filtrar as respostas, (quem sabe este trabalho pode levar até menos de 15 ou 25 anos) e, assim, conseguir que tal façanha se torne realidade.

Entendemos que o problema não é o de fazer acontecer uma revisão da Doutrina Espírita conforme sugeriu o próprio codificador do Espiritismo, e sim, de como criar as necessárias e principais condições para torná-la uma realidade que satisfaça a maioria dos espíritas de hoje no que tange a filosofia, ciência e consequências morais, como o fez exemplarmente Allan Kardec no século XIX. Eis o desafio para os adeptos do Espiritismo desta nossa atualidade.




Notas:



(*) Ver no artigo Constituição Transitória do Espiritismo / Atribuições do Comitê: "As principais atribuições do comitê central serão: 1º. - O cuidado dos interesses da doutrina e sua propagação; a manutenção de sua unidade pela conservação da integridade dos princípios reconhecidos; o desenvolvimento de suas consequências; 2º. - O estudo dos princípios novos, susceptíveis de entrar no corpo da doutrina; 3º. - A concentração de todos os documentos e informações que possam interessar o Espiritismo; (...)"

(**) Ver in Obras Póstumas / Constituição do Espiritismo / Comitê Central: "(...) Em lugar de um chefe único, a direção será entregue a uma comissão central permanente, cuja organização e atribuições serão definidas de maneira a não deixar nada ao arbítrio. Essa comissão será composta de doze membros titulares, no máximo, que deverão, para esse efeito, reunir certas condições requeridas, e de um número igual de conselheiros. Completar-se-á, ela mesma, segundo as regras igualmente determinadas, à medida das vagas pela extinção ou outra causa. Uma disposição especial fixará o modo de nomeação dos doze primeiros.

A comissão nomeia o seu presidente por um ano.

A autoridade do presidente é puramente administrativa; ele dirige as deliberações da comissão, zela pela execução dos trabalhos e pela expedição dos assuntos; mas, fora das atribuições que lhe são conferidas pelos estatutos constitutivos, não pode tomar nenhuma decisão sem o concurso da comissão. Portanto, nada de abusos possíveis, nada de alimentos à ambição, nada de pretextos de intrigas e de ciúme, nada de supremacia contundente.

A comissão central será, pois, a cabeça, o verdadeiro chefe do Espiritismo, chefe coletivo, nada podendo sem o consentimento da maioria. Suficientemente numerosa para se esclarecer pela discussão, não o será bastante para que haja confusão.

A autoridade da comissão central será moderada, e seus atos controlados pelos congressos ou assembleias gerais, sobre os quais se falará adiante. (...)"




sexta-feira, 22 de julho de 2022

A comunicação entre os dois planos da vida

Sabemos que os Espíritos exercem contínua ação no plano físico, manifestada de forma fugaz ou duradoura, boa ou má, sutil ou bem caracterizada, que se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade como afirma Allan Kardec. A comunicação entre os dois planos da vida é viabilizada por meio de duas faculdades inerentes ao psiquismo humano: a mediúnica e a anímica. Ambas decorrem da natural capacidade pensante do ser humano e dos processos de sintonia mental, assim assinalados por Emmanuel: “O homem permanece envolto em largo oceano de pensamentos, nutrindo-se de substância mental, em grande proporção. Toda criatura absorve, sem perceber, a influência alheia nos recursos imponderáveis que lhe equilibram a existência”. Completando as suas ideias, o benfeitor espiritual acrescenta: A mente, em qualquer plano, emite e recebe, dá e recolhe, renovando-se constantemente para o alto destino que lhe compete atingir. Estamos assimilando correntes mentais, de maneira permanente. De modo imperceptível, “ingerimos pensamentos”, a cada instante, projetando, em torno de nossa individualidade, as forças que acalentamos em nós mesmos. Somos afetados pelas vibrações de paisagens, pessoas e coisas que cercam. Se nos confiamos às impressões alheias de enfermidade e amargura, apressadamente se nos altera o “tônus mental”, inclinando-nos à franca receptividade de moléstias indefiníveis . Se nos devotamos ao convívio com pessoas operosas e dinâmicas, encontramos valioso sustentáculo aos nossos propósitos de trabalho e realização.


FEB, Mediunidade - Estudo e Prática. Via Amor Sem Fronteiras.

Leon Denis, trechos

Tal é o caráter complexo do ser humano – espírito, força e matéria, em que se resumem todos os elementos constitutivos, todas as potências do universo. Tudo o que está em nós está no universo e tudo o que está no universo encontra-se em nós. Pelo corpo fluídico e pelo corpo material o homem acha-se ligado à imensa teia da vida universal; pela alma, a todos os mundos invisíveis e divinos. Somos feitos de sombra e luz; somos a carne com todas as suas fraquezas e o espírito com as suas riquezas latentes, as suas esperanças radiosas, os seus surtos grandiosos, e o que está em nós em todos os seres se encontra. Cada alma humana é uma projeção do grande Foco Eterno e é isso o que consagra e assegura a fraternidade dos homens. Temos em nós os instintos animais, mais ou menos comprimidos pelo trabalho longo e pelas provas das existências passadas, e temos também a crisálida do anjo, do ser radioso e puro, que podemos vir a ser pela impulsão moral, pelas aspirações do coração e pelo sacrifício constante do “eu”. Tocamos com os pés as profundezas sombrias do abismo e com a fronte as alturas fulgurantes do céu, o império glorioso dos Espíritos.


Leon Denis - O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Via Amor Sem Fronteiras.

As aventuras de Allan Kardec no mundo da pós verdade



 Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga, no Correio Espírita.



No livro de 2013 de Marcel Souto Maior chamado Kardec: a biografia, a sua parte inicial se detém a detalhar a interação do professor Rivail, na madureza de seus 50 anos, com o fenômeno das mesas girantes, que ocupava os salões dos Estados Unidos e da Europa, atendendo a curiosidade das pessoas diante de mesas que se moviam e respondiam perguntas. A sensação da época.

Como já era de se esperar, como narrado no livro, várias teses rondavam as páginas de jornal e as mesas dos cafés sobre a natureza de tão badalado fenômeno: almas de outro mundo, auto sugestão, delírio coletivo, fraude. Se fosse no ano de 2021, é possível se arriscar que essas seriam somadas a teorias conspiracionistas de ações sobrenaturais a subjugar a raça humana, e apesar de não se encontrar registro de, pode ter havido explicações nesse sentido. Talvez se fosse na década de 1970, teria como explicação a ação de alienígenas na busca de invadir nosso planeta.

O professor Rivail, acadêmico, estudioso, inicialmente julgava que ali atuava a força magnética dos participantes da reunião, como motriz das mesas. Mas ele, em um misto de curiosidade e de desconfiança, manteve-se cético nas suas hipóteses e debruçou-se sobre o fenômeno na busca de desvendá-lo, bebendo de sua trajetória como pesquisador científico, com os métodos bem descritos nas obras “O que é o espiritismo” e “O livro dos médiuns”, e a partir dali não só concluiu que se tratavam de espíritos, a alma desencarnada dos homens, como deste achado, derivou todo um corpo de conhecimento filosófico que contextualizou aquela descoberta.

Para melhor entender essa postura do codificador, como está na Biografia de Allan Kardec na já citada obra O que é o Espiritismo?, p.11, Ed. FEB:

Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos muitas vezes, não negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar sempre no estudo tão atraente das manifestações do Além.

Esse é o Kardec por todos conhecido, e que deixou o legado pautado na racionalidade, no método, e que trouxe ao espiritismo a credibilidade que o caracteriza, como forma de interpretação e intervenção na realidade, e que o permitiu enfrentar ataques diversos, fichamentos na polícia, e toda ordem de coisas que atrai ideias não hegemônicas.

Mas, e se um Rivail contrafactual, ao invés de se debruçar sobre as teses na busca de entendê-las a luz de pressupostos de natureza científica, por meio de uma teoria consistente e que dialogasse com as evidências, resolvesse apenas transitar pelos cafés de Paris, para conversar com uns dois ou três que tenham assistido as mesas e daí tivesse produzido um livro explicando esse fenômeno. Não só um livro, mais uma narrativa mirabolante na qual se encaixassem ideias mais fáceis de serem assimiladas pelas pessoas daquela época, na busca de maior vendagem dos seus exemplares.

Considerando-se que era uma sociedade de matriz cristã, e apesar dos lampejos da ciência, o pensamento mágico ainda era bem enraizado na população em geral, esse Kardec alternativo poderia engendrar uma teoria de que ali operavam forças sobrenaturais demoníacas que buscavam ludibriar os incautos para afastá-los da salvação, e teceria considerações baseadas em percepções fragmentadas de situações comuns, como mensagens que destoassem da doutrina predominante da igreja, para assim justificar a sua teoria.

Definitivamente, esse não seria o Kardec que conhecemos. E esse seria mais um livro panfletário e fugaz a se somar a muitas obras dessa natureza, de histórias fantasiosas e que se pautam em sensos comuns palatáveis para, em especial, pelo medo, obter adesão na sua forma de mediar a interpretação da realidade. Algo bem distante do caráter esclarecedor e libertador do espiritismo.

Apesar dos avanços científicos, das quebras de paradigma social e político, o mundo do professor Rivail do Século XIX, tem similitudes em relação a realidade do início do Século XXI, que se vê potencializada no contexto de uma sociedade hiper conectada, na qual a informação é produzida em grande quantidade, e por uma diversidade de emissores, mas ao mesmo tempo o seu acesso é permeado por canais dirigidos por algoritmos e por perfis falsos, com possibilidades de manipulação e de adesão de narrativas também confortáveis, mas por vezes sem nenhum lastro com a realidade.

Esse mundo novo, que nos cabe enfrentar, e que o espiritismo pode ser uma ferramenta nesse desiderato, tem como uma das características o fenômeno da pós verdade, que conforme definições da Oxford Dictionaries, é um adjetivo relacionado a circunstâncias em que fatos objetivos têm menos poder de influência na formação da opinião pública do que apelos por emoções ou crenças pessoais. Um contexto no qual apesar de se ter muita informação, se tem muita dificuldade de se obter verdades.

Nesse mundo permeado pela pós verdade, Kardec teria mais problemas do que já teve na época da codificação. Seria cancelado, diriam alguns. Kardec teria entraves, e tem o espiritismo também nos dias de hoje. Como na situação das mesas girantes, na qual se debruçou o então professor Rivail, no contexto atual a pressão das crenças pessoais, dos medos e das simplificações frente as evidências, pressionariam por interpretações dos fenômenos cotidianos de forma dissociada da realidade e do bom senso, com explicações muitas vezes permeadas por ideias conspiracionistas, por narrativas de perseguições, que despertam às vezes sentimentos primitivos, de ódio e de auto defesa.

Nesse sentido, esse contexto da pós verdade testa a todos nós, que decidimos seguir o espiritismo, na nossa forma de nos relacionarmos com a realidade, seja no plano da mensagem supostamente psicografada que replicamos na rede social, seja pelas teorias que nos invadem os aparelhos celulares sobre questões gerais, como a economia, a ecologia e a crise sanitária. Cada evento é permeado por um caudaloso rio de dúvidas e de narrativas substitutivas que ao mesmo tempo que nos confunde, nos faz abraçar a tese mais confortável. E no caso espírita, de preferência avalizado por uma psicografia.

O professor Rivail, para ter a adesão das suas ideias pela força destas, e não pela sua fama, assume a alcunha de Allan Kardec. Preocupava-o que as pessoas aderissem a nova doutrina sem ideias pré-concebidas, dado que ele já era conhecido. Convidava à razão, ao entendimento, à construção da convicção pessoal pelo estudo e pela reflexão. Pressupostos kardequianos que se apresentam ainda necessários nesse mundo tão informado e desinformado ao mesmo tempo.

Dói ver nas redes sociais espíritas e suas agremiações replicarem informações que não são objeto de estudos mais elaborados, boatos, Fake News, conspirações rasas, algumas referendadas por psicografias, situações que poderiam ser esclarecidas na busca de fontes confiáveis, como são os chamados sites de checagem, uma criação derivada dessa época na qual se busca confiabilidade no universo das redes sociais. Anda enfraquecida nossa fé raciocinada?

Além desses sites, a verificação, trabalhosa e necessária do que se vê por aí, pode se servir do trabalho dos profissionais da imprensa, ou ainda, pela busca da boa e velha ciência, com suas publicações e representantes reconhecidos, e que se pauta por metodologias, que vão desde repetições sucessivas, a comparações do mesmo fenômeno em diversos ambientes, na busca de se encontrar regularidades que balizem afirmativas.

A história nos mostra que momentos de tensão despertam o medo, que busca caminhos simplificadores para aplacar a ansiedade do que será o amanhã. Medo que se potencializa pela multiplicidade de estímulos oriundos de imagens e notícias as quais somos submetidos diariamente, e que geram, na sua busca pela assimilação, a adoção de teses simplistas, que não resistem a dez minutos de reflexão e debate. Esse é o desafio posto, e ter o espírito kardequiano ao nosso lado pode ser uma boa bússola a nos orientar em um período tão doloroso, por conta da pandemia. Mas também tão confuso, por ainda estarmos nos acostumando a esse mundo cada dia mais veloz.

segunda-feira, 7 de março de 2022

Chico, os Animais sonham?

Recordo-me de que, quando falávamos sobre a desencarnação dos animais, nossa estimada irmã D. Hélia Borges Neri, fez a Chico a seguinte pergunta: - Chico, os animais sonham? Tenho um cachorrinho em casa que, quando está dormindo, treme o corpo, mexe com as pernas, chegou até a latir um dia... Por várias vezes, quando ele tira uma soneca depois do almoço, tenho a impressão de que ele está sonhando. Depois de ouvi-la atento, o médium respondeu: - Sonham, Hélia! Os animais também sonham; principalmente o cachorro, o gato e o macaco.. O macaco sonha e fica na selva mesmo, mas o cachorro e o gato, que são mais urbanos, saem do corpo como a gente: andam pelas ruas, sobem nos telhados, latem e miam... Em Pedro Leopoldo, diversas vezes pude ver o espírito de "Lorde" deixando o corpo - ele aparecia lá no "Luiz Gonzaga!". A nossa vida aqui, na Terra, incluindo a dos animais, não é nem um décimo do que é no Mundo Espiritual. Nós todos iremos nos surpreender muito... - E, quando se desdobram, ficam também presos pelo seu perispírito? - Igualzinho à gente - explicou Chico, com todo o entusiasmo com que sempre falava sobre os mais diversificados temas da vida - Tudo na Criação de Deus é maravilhoso, minha filha! Um dia, nós vamos saber disto tudo... Se os espíritos fossem nos falar agora, a gente não acreditaria. "Nosso Lar" foi só uma nesgazinha... Tenho visto espíritos de animais cujas espécies não existem na Terra. São lindos! Certa vez, vi o espírito de uma borboleta deixando o corpo - parecia a pétala de uma flor batendo asas! Ela acabara de desencarnar no nosso jardim, presa numa teia de aranha... 



Fonte: Chico Xavier - O amigo dos animais - Carlos A. Baccelli. 
Imagem: D. Burgus.