Pesquisa comparou pessoas identificadas com o dom a parentes de primeiro grau sem nenhuma habilidade do tipo
Anna Virginia Balloussier
São Paulo
Ser médium não é necessariamente coisa do outro mundo. Pode estar nos genes, inclusive.
É o que sustenta um estudo que investiga as bases genéticas da mediunidade, publicado pelo Brazilian Journal of Psychiatry, revista científica em que os artigos são revisados por pares acadêmicos. A coordenação ficou a cargo de Wagner Farid Gattaz, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e à frente do Laboratório de Neurociências na universidade.
A pesquisa de campo, realizada entre 2020 e 2021, comparou 54 pessoas identificadas como médiuns com 53 parentes de primeiro grau delas, sem nenhuma habilidade do tipo. Umbanda e espiritismo foram as principais fontes religiosas do grupo.
"O estudo desvendou alguns genes que estão presentes em médiuns, mas não em pessoas que não o são e têm o mesmo background cultural, nutritivo e religioso", diz Gattaz. "Isso significa que alguns desses genes poderiam estar ligados ao dom da mediunidade."
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O médium Chico Xavier durante sessão espírita, em 1978 - Folhapress
A seleção dos participantes seguiu os seguintes critérios: recrutar médiuns reconhecidos pelo grau de acerto de suas predições, que praticavam pelo menos uma vez por semana a mediunidade e que não ganhavam dinheiro com ela, ou seja, não cobravam por consultas.
Os resultados revelaram quase 16 mil variantes genéticas encontradas exclusivamente neles, "que provavelmente impactam a função de 7.269 genes". Conclui o texto publicado: "Esses genes surgem como possíveis candidatos para futuras investigações das bases biológicas que permitem experiências espirituais como a mediunidade".
"Esses genes estão em grande parte ligados ao sistema imune e inflamatório. Um deles, de maneira interessante, está ligado à glândula pineal, que foi tida por muitos filósofos e pesquisadores do passado como a glândula responsável pela conexão entre o cérebro e a mente", afirma o coordenador da pesquisa. Ele frisa, contudo, que essa hipótese precisaria ser confirmada experimentalmente.
Coautor do estudo e diretor do Nupes (Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde), da Universidade Federal de Juiz de Fora, Alexander Moreira-Almeida justifica a opção por contrastar os médiuns com seus familiares. "Se eu pegasse um grupo de controle que fosse uma outra pessoa qualquer, aleatória, poderia ter muita diferença sociocultural, econômica e também da própria genética. Quando a gente pega um parente, vai ter uma genética muito mais parecida e um background sociocultural muito mais próximo."
Os pesquisadores analisaram o exoma dos voluntários, que contém os genes que vão codificar as proteínas. Muitas partes do genoma, que é a sequência completa do DNA, não têm função muito clara. "Já o exoma é aquela que provavelmente é mais ativa funcionalmente, com maior impacto sobre a formação do corpo da pessoa", explica Almeida-Moreira.
Darcy Neves Moreira, 82, serviu de objeto de estudo para a trupe da ciência. Ela é professora aposentada e coordena reuniões num centro espírita na zona norte carioca.
Descreve o dom que lhe atribuem como a capacidade de "sentir a influência dos espíritos". Tinha 18 anos quando detectou a sua, conta. "Senti uma presença do meu lado. Comecei a pensar algumas coisas sobre o nosso trabalho. Percebi que não eram propriamente minhas ideias, mas ideias sugeridas pelo amigo que estava ali pertinho de mim."
São mais de seis décadas "tentando aprimorar esse canal de comunicação com os espíritos, o que me traz muita alegria", ela afirma. "É a certeza de que continuamos a viver em outro plano."
Roberto Lúcio Vieira de Souza, 66, também cedeu uma amostra de sua saliva para a pesquisa. Diz que compreendeu seu potencial mediúnico na adolescência, quando apresentava sintomas que os médicos não conseguiam explicar. Tinha câimbras dolorosas durante o sono, "acompanhadas da sensação iminente de morte, o que me desequilibrava emocionalmente".
Integrava um movimento católico para jovens na época e queria inclusive virar padre. Acabou numa casa de umbanda para entender as agruras físicas. "Lá fui informado sobre a mediunidade e comecei a desenvolvê-la."
Souza diz que mais tarde descobriu por que se sentia tão mal. Numa vida passada, fora um senhor de escravizados que, irritado com um deles, mandou amarrá-lo no pátio da casa e passar uma carroça sobre suas pernas. Ele foi deixado por dias ali, até morrer.
O próprio espírito do homem assassinado teria lhe contado essa versão. "Ele gritava que queria as suas pernas de volta e que eu deveria morrer com muita dor nas pernas, como ele. Segundo um amigo espiritual, essa era uma atitude comum da minha pessoa naquela encarnação. Eu teria sido um homem muito irascível, orgulhoso e cruel."
Psiquiatra e autor de livros psicografados, Souza é diretor de uma instituição espírita em Belo Horizonte que se diz especializada em saúde mental e dependência química.
Gattaz, no comando da turma que esquadrinhou sua genética, afirma que não é preciso ter um determinado combo de genes para ser um médium. "O nosso estudo mostra apenas que alguns desses genes são candidatos para serem estudados em novas pesquisas e podem contribuir para o desenvolvimento do dom da mediunidade."
Ele já havia liderado outro front do estudo, que apura a saúde mental nos ditos médiuns. Saldo: eles não se diferenciam de seus parentes na prevalência de transtornos mentais, apresentando inclusive maior qualidade de vida psicológica. Não apresentaram sintomas de quadros psicóticos, como desorganização cognitiva ou paranoia.
Pontuaram mais, contudo, nos itens que avaliaram alterações na sensopercepção —por exemplo, ver ou ouvir o que outros não percebem.
Fonte: Folha de São Paulo
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