terça-feira, 14 de março de 2023

Pesquisadores brasileiros são premiados em concurso mundial sobre vida após a morte

Por Eliana Haddad

Alexandre Caroli



Com um ensaio sobre a obra psicográfica de Chico Xavier, os pesquisadores Alexandre Caroli Rocha, Marina Weiler e Raphael Fernandes Casseb foram premiados no concurso promovido por Robert Bigelow, magnata norte-americano, sobre as melhores evidências que comprovariam a existência da vida após a morte.

Nos últimos 30 anos, o empresário tem investido em pesquisas sobre fenômenos paranormais, buscas por vida extraterrestre e em projetos espaciais.

Para esse concurso, Bigelow destinou aproximadamente dois milhões de dólares em prêmios. Os três primeiros lugares ficaram, respectivamente, com Jeffrey Mishlove: “A sobrevivência da consciência humana após a morte corporal permanente”; Pim van Lommel: “A continuidade da consciência: um conceito baseado em pesquisas científicas sobre experiências de quase-morte durante parada cardíaca” e Leo Ruickbie: “O fantasma na máquina do tempo”. No segundo grupo, foram escolhidos mais onze ensaios, e houve também menções honrosas a um terceiro grupo, com 15 ensaios.

Cerca de 1.300 pessoas se propuseram a participar, das quais pouco mais de 200 foram aceitas, de acordo com critérios do concurso, e enviaram ensaios. Havia concorrentes de 38 países. No final, 29 trabalhos foram premiados.


A comissão julgadora

O concurso demostrou que há uma grande variedade de fenômenos que pesam em favor da sobrevivência da consciência humana após a morte corporal. A comissão julgadora foi formada por profissionais renomados: o psiquiatra Christopher C. Green, neurocientista do Detroit Medical Center; Jeffrey J. Kripal, professor de filosofia na Rice University; a jornalista investigativa Leslie Kean, autora do livro Sobrevivendo à morte: um jornalista investiga evidências para uma vida após a morte, obra em que foi baseada a série Vida após a morte (Netflix); o escritor e psiquiatra Brian Weiss (autor de Muitas vidas, muitos mestres); Jessica Utts, professora de estatística da Universidade da Califórnia; e o engenheiro Harold Puthoff, diretor do Institute for Advanced Studies at Austin.


Análise de psicografias

Os três brasileiros apresentaram um ensaio sobre a psicografia de Chico Xavier, intitulado A mediunidade como a melhor evidência para a vida após a morte: Francisco Cândido Xavier, um corvo branco*, que foi premiado no segundo grupo. Foi o único a centrar seus argumentos na análise de psicografias.

“Dividimos os livros do Chico Xavier em três grupos: primeiro, aqueles que ele atribuiu a autores como Emmanuel e André Luiz, nomes que não nos remetem a pessoas conhecidas; segundo, os atribuídos a escritores bem identificados, com obra publicada em vida, como Humberto de Campos, Olavo Bilac e dezenas de outros; terceiro, os das cartas familiares, atribuídas a pessoas bem identificadas, mas sem obra publicada em vida. Esses três grupos têm diferentes estratégias para justificar suas alegadas autorias. Levamos em conta os registros biográficos do médium e a maneira como ele produzia os textos”, explica Alexandre Caroli, doutor em teoria e história literária, que desenvolveu na Unicamp trabalhos sobre livros do médium mineiro (O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade e A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo).

Para a neurocientista Marina Weiler, que reside atualmente nos Estados Unidos, “a obra psicográfica de Chico Xavier apresenta informações muito detalhadas e específicas dos autores aos quais as obras são atribuídas, muitas vezes de conhecimento apenas do falecido autor. No nosso ensaio, tentamos mostrar exemplos dessas informações inacessíveis a Chico Xavier para fortalecer a hipótese de uma existência de vida após a morte”.

Marina Weiler


Tema controverso para a ciência

Segundo Raphael Casseb, também neurocientista, “o concurso permitiu chamar a atenção para um tema que é normalmente ignorado na grande maioria dos centros de pesquisa. Ao promover o concurso, o empresário americano ligou os holofotes sobre um tema controverso para a ciência, mas de um interesse imensurável para a sociedade, que é a continuidade (ou não) de alguma forma da personalidade humana”.

Os autores acrescentam que a obra de Chico Xavier “fornece fenômenos tão intrigantes que muitos cientistas preferem ignorar, porque lhes causam desconforto. Entretanto, com esse ensaio, não pretendemos achar provas definitivas de vida após a morte, tampouco achamos que estamos lidando com uma verdade inquestionável. Nosso objetivo foi convidar os leitores, principalmente os cientistas, a estudarem o tema de mente aberta, uma vez que esses fenômenos desafiam as visões tradicionais do meio acadêmico”.

Os prêmios foram entregues em cerimônia em Las Vegas, em 4 de dezembro**, e os 29 ensaios foram reunidos em série especial de livros, que serão doados internacionalmente para universidades e hospitais, para que o tema seja divulgado de forma mais ampla.





* Corvo Branco é uma expressão da filosofia contra o indutivismo, que obtém conclusões gerais a partir de premissas individuais. Ou seja, basta um corvo branco para falsificar a afirmação de que todos os corvos são negros.

**De 2021.


Raphael Casseb



Estão disponíveis on-line gratuitamente os 29 textos premiados na competição de ensaios sobre evidências científicas da sobrevivência da consciência após a morte do corpo promovido pelo Bigelow Institute for Consciousness Studies (BICS).

O concurso distribuiu US$1,8 milhões e recebeu 204 ensaios de pesquisadores de 38 países.














Nota do blogueiro: links corrigidos desde a publicação original.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Os espíritas devem influir no meio social

Cláudio Bueno da Silva


Imagem de Axel Mellin por Pixabay



Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença, apresentando, com humildade e conhecimento, a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Sob os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.



Não serão os momentos de crise uma oportunidade para que o movimento espírita se manifeste, marcando sua posição filosófica e contribuindo para trazer luz à sociedade? Não serão os momentos difíceis também apropriados para emitir sua opinião sobre questões de interesse geral, influindo nas massas, propondo discussão para os problemas humanos?

Muitos espíritas brasileiros já fizeram isso no passado, com significativa atuação no meio social: Herculano Pires, Freitas Nobre, Jorge Rizzini, Leopoldo Machado, Cairbar Schutel, Eurípedes Barsanulfo, Bezerra de Menezes, Anália Franco. E hoje, será possível essa representatividade?

Provavelmente não com a mesma riqueza de valores humanos, mas, com os recursos da internet é possível fazer-se algo interessante. Temos visto aparecer inúmeros companheiros e instituições formando grupos, páginas, sites, blogs, com material de opinião crítica, cultural e elucidação de temas variados, e como se sabe, a internet faz esse material chegar a muita gente.

E o movimento espírita que basicamente só se tem manifestado em público para tratar do aborto e de movimentos pela paz, vê agora a oportunidade de expor à sociedade um leque ilimitado de assuntos. Porém, essa facilitação tecnológica não interfere num sério e antigo problema do movimento espírita que é a falta de unidade na interpretação da Doutrina. A internet certamente amplificará tanto os conceitos mais ajustados ao pensamento doutrinário, quanto os que contenham imprecisões, dependendo de quem os emita.



O diferencial espírita



O Espiritismo, fundado em princípios naturais, propõe uma visão original de homem e de mundo não cogitada com a mesma amplitude, racionalidade e clareza por outras filosofias ou religiões. É o que afirmam os expoentes da cultura espírita. Daí a importância dos espíritas pensarem as questões humanas conjuntamente com a sociedade.

O diferencial do Espiritismo está precisamente no seu conteúdo de revelação e elaboração humana e divina. A explicação espírita de Deus, da vida, do universo, do mundo, é extremamente pedagógica, como eram os ensinos de Jesus que o homem complicou a não poder mais através do tempo. Jesus conviveu no meio do povo, mas não abdicou dos seus princípios em momento algum. Não adaptou seus ensinos só para ser agradável ao poder dominante ,nem para ser aceito pelas correntes religiosas que veio transformar.

O Espiritismo, com Allan Kardec, se associou às iniciativas de Jesus no propósito de dar continuidade a essa transformação e ao consequente progresso da humanidade. Além de tornar acessível a moral daquele homem, descortinou o mundo dos Espíritos: “A descoberta do mundo dos invisíveis […] é mais que uma descoberta, é uma revolução nas ideias”, disse Allan Kardec [1].

Quando esse conhecimento estiver largamente disseminado, trará contribuições incalculáveis para o progresso geral. Os espíritas não podem desperdiçar o legado que receberam do gênio de Allan Kardec e da operosidade dos espíritos superiores.



A questão das interpretações



Não se deve perder de vista a unidade doutrinária do Espiritismo [2], contudo, devido a interpretações particulares de indivíduos e grupos, a doutrina é entendida de maneiras diversas e, com isso, corre o risco de perder a identidade de movimento restaurador e renovador, acabando por se tornar, em alguns aspectos, parecido com as correntes religiosas que prendem o homem ao invés de libertá-lo.

Infelizmente. Mas já que é assim – e isso parece ser uma consequência natural e incontornável da heterogeneidade humana [2] –, o sensato será procurar a coerência e a fidelidade como um fim a ser atingido na conduta individual e na divulgação do ideal espírita. Isto, preservando a unidade original de princípios, toda desenhada na obra de Allan Kardec, para apresentá-la ao mundo como ela é, sem repetir os erros históricos do movimento cristão.

O Espiritismo tem força moral suficiente para influir no meio social mudando atitudes e comportamentos. Claro que isso depende de como o pensamento e o fazer espíritas chegam às pessoas. Não será fazendo “caravanas religiosas” para a “meca espírita”, não será com posturas místicas, cultuando médiuns e Espíritos, criando símbolos e modismos, nem se isolando dentro das instituições, que os espíritas firmarão posição. Isso já fazem os religiosos de vários matizes. Essa conduta desvia o movimento das suas finalidades. A postura devocional, tímida, neutra e contraditória, afasta o espírita do que é essencial. Além da humanização de cada um, o Espiritismo propõe a construção de um mundo mais justo e fraterno.



Um desafio: fazer a diferença



Um dos grandes desafios para os espíritas será compreender o mais justamente possível a essência progressiva e progressista da Doutrina. E isso não se consegue sem o amadurecimento do estudo, do diálogo e do debate em grupo. É com esse viés que ela deve ser propagada, vivida com autenticidade, sem artificialismos. Os espíritas não devem temer a discussão dos assuntos que inquietam a humanidade, muitos deles já trazidos por Kardec em suas obras.

A propagação do ideário espírita será mais eficiente através do diálogo social, ainda que agora mais virtualmente. A prática espírita, dentro e fora do centro espírita, propõe o convívio baseado na compreensão das diferentes opiniões, na tolerância em relação ao contrário, sem imposições. Importante que os espíritas adiram a uma nova forma de pensar, e se livrem o mais rapidamente possível dos resíduos de velhas concepções religiosas de que estamos mais ou menos contaminados.

Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença. Com humildade e conhecimento, podem apresentar a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Além de pregarem pública e manifestamente os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.



Se os espíritas não fizerem, outros o farão



Enfim, os espíritas podem contribuir com a sociedade no campo das ideias, do pensamento, vulgarizando oportunamente os conhecimentos relativos ao Espírito imortal e tudo o que isto significa. Se os espíritas não fizerem a parte que lhes cabe em função de desvios doutrinários, da inércia e da capitulação às velhas ordens e ditames devocionais e dogmáticos, outros o farão, à sua moda. O progresso não para e em muitas circunstâncias nasce anônimo, em pequenos grupos, em laboratórios, em universidades, da cabeça de estudiosos independentes, de livres pensadores, em todo o mundo.

Mas será bom se os espíritas atenderem à convocação implícita na questão 932, de “O livro dos Espíritos”, ou seja, trazerem sua efetiva contribuição à sociedade com a proposta cultural e espiritual que detêm, sem ufanismo nem excentricidades, para a “grande obra da regeneração pelo Espiritismo” [3].





Notas do Autor:
[1] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Segundo diálogo. “Oposição da Ciência”. Ed. FEB.
[2] KARDEC, Allan. Obras póstumas. “Os cismas”. Ed. LAKE.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo XX. Item 5. Ed. LAKE.



Sobre a atualização da Doutrina Espírita

Nota do blogueiro: este estudo é de 2013, mas continua atual, mesmo 10 anos depois. Vale a leitura.



Elio Mollo



Estudo com base in Revista Espírita de dezembro de 1863, janeiro de 1864 e dezembro de 1868, A Gênese, cap. I, item 55 e Obras Póstumas, 2ª parte, Constituição do Espiritismo – Exposição de Motivos, Os Estatutos Constitutivos

Pesquisa: Elio Mollo
em 04/04/2011 e atualizada em 26/06/2013

domingo, 17 de março de 2013


Independentemente da proposta de qualquer Associação, Federação, Confederação (Espírita), etc. em atualizar o Espiritismo nesta nossa atualidade, os princípios espíritas definidos nas obras da codificação dificilmente conseguirão ser atualizados, pois, eles fazem parte das leis Naturais e Universais.

Quanto a atualizar a Doutrina Espírita segundo a linguagem e os costumes das épocas em que vivemos, Kardec a fazia conforme os estudos que aconteciam na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e, inclusive, usava a Revista Espírita como um laboratório para realizá-la. Pode-se perceber isso, quando até 1863 não se aceitava a possessão e sim a subjugação, mas a partir da Revista Espírita de dezembro de 1863 e janeiro de 1864, narrando o caso da Srta. Julia (Um caso de Possessão), Kardec escreveu o seguinte: "Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado." Sendo assim, o codificador fez o progresso da Doutrina Espírita acontecer automática e naturalmente em seu tempo, em alguns pontos.

Diz Kardec em O Livro dos Médiuns, 2ª parte cap. XIII que "a Ciência Espírita progrediu (e deverá progredir) como todas as outras", teve início com as mesas girantes, cestas de bicos, etc. e chegou até a psicografia como a conhecemos nos dias de hoje, além de outros fenômenos mediúnicos, como podemos observar consultando O Livro dos Médiuns (1861) em especial os capítulos localizados na parte 2 do livro, de XI à XVI.

Também, podemos verificar in A Gênese, cap. I, item 55 que O Espiritismo não se assenta, pois em princípio absoluto senão no que seja demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da observação. Tocando em todos os ramos da economia social, ao qual presta o apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, que qualquer natureza que sejam, chegadas ao estado de verdades práticas, e saídas do domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria; cessando de ser o que é mentiria à sua origem e sua meta providencial. O Espiritismo, marchando com o progresso, não será nunca extravasado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto ele se reformulará sobre este ponto; se uma nova verdade se revela, ela a aceita.

Em Obras Póstumas, 2ª. parte, Constituição do Espiritismo - Exposição de Motivos, Os Estatutos Constitutivos, Kardec diz que "Em menos de um quarto de século não se esboçará um movimento apreciável nas ideias. Será, portanto, de vinte e cinco em vinte e cinco anos que a constituição orgânica do Espiritismo passará por uma revisão. Este lapso de tempo, sem ser muito longo, é suficiente para permitir que sejam apreciadas as novas necessidades, sem trazer perturbações com modificações frequentes."

Como os adeptos do Espiritismo até agora (26 de junho de 2013) não fizeram ou não atentaram para a revisão da Constituição Orgânica do Espiritismo, o problema não será da revisão ou atualização, mas como fazer essa revisão após 156 anos. Com certeza, sem a participação dos Espíritos oferecendo respostas para as nossas dúvidas atuais a revisão não se fará satisfatória (quem sabe tenha que surgir um Livro dos Espíritos nº. 2 com mais um milheiro de perguntas, respostas e observações a exemplo do que fez Allan Kardec), porque a Doutrina é dos Espíritos, assim, ambas as dimensões, encarnados e desencarnados, deverão participar ativamente de cada revisão, uns questionando sobre pontos importantes da atualidade e outros respondendo adequadamente, racionalmente e seriamente as questões.

Outro ponto importante que temos que observar e que Kardec fez sozinho a organização inicial da DE e foi em 1868 (conforme Revista Espírita de dezembro de 1868 (*) e Obras Póstumas, 2ª. parte) que ele propõe fazer através de congressos realizados a cada 25 anos uma revisão.

Para realizar essas revisões diz ele que:


...uma constituição, por muito boa que seja, não poderia ser perpétua. O que é bom para certa época pode tornar-se deficiente em época posterior. As necessidades variam com as épocas e com o desenvolvimento das ideias. Se não se quiser que com o tempo ela caia em desuso, ou que venha a ser postergada pelas ideias progressistas, será necessário caminhe com essas ideias. Dá-se com as doutrinas filosóficas e com as sociedades particulares o que acontece em política e em religião: acompanhar ou não o movimento propulsivo é uma questão de vida ou de morte. No caso de que aqui se trata, fora grave erro acorrentar o futuro por meio de uma regra que se declarasse inflexível.

Não menos grave erro seria introduzir com muita frequência, na constituição orgânica, modificações que acabariam por privá-la de estabilidade. Faz-se mister proceder com ponderação e circunspeção. Só uma experiência de certa duração pode permitir se julgue da utilidade real das modificações. Ora, quem pode em tal caso ser juiz? Não será um único homem, que geralmente só do seu ponto de vista vê as coisas; tampouco será o autor do trabalho primitivo, porque poderá ser demasiado complacente na apreciação da sua obra. Serão os próprios interessados, porque experimentam de modo direto e permanente os efeitos da instituição e podem perceber por onde ela peca.

A revisão dos estatutos constitutivos se fará pelos congressos ordinários, transformados para esse efeito em congressos orgânicos, em determinadas épocas, e assim se prosseguirá indefinidamente, de maneira a conservá-los, sem interrupção, ao nível das necessidades e do progresso das ideias, ainda que a mil anos daqui.

Sendo periódicas e conhecidas antecipadamente as épocas de revisão, não haverá cabimento para se fazerem apelos, nem convocações especiais. A revisão constituirá não apenas um direito, mas também um dever do congresso da época indicada; inscrever-se-á, de antemão, na sua ordem do dia, de sorte que não estará subordinada à boa vontade de quem quer que seja e ninguém poderá arrogar-se o direito de decidir, firmado na sua autoridade particular, se a revisão é ou não oportuna. Se, depois de lidos os estatutos, o congresso julgar desnecessária qualquer modificação, declará-los-á mantidos na íntegra.

Sendo forçosamente limitado o número dos membros dos congressos, atenta a impossibilidade material de reunir neles todos os interessados, para que os que se reúnam não fiquem privados das luzes dos ausentes, todos estes poderão, qualquer que seja o lugar do mundo onde se encontrem, enviar à comissão central, no intervalo de dois congressos orgânicos, suas observações, que serão postas em ordem do dia do congresso vindouro.


Para a realização deste (primeiro) congresso revisório, naturalmente surgem algumas perguntas: Será que estamos preparados suficientemente para realizar uma atualização agora? Não será melhor prepararmos um comitê central (**), conforme sugeriu Kardec, e aguardarmos um tempo mais para formular questões e entrevistar os Espíritos para obter respostas de acordo com as nossas dúvidas atuais? Filtrar as respostas, (quem sabe este trabalho pode levar até menos de 15 ou 25 anos) e, assim, conseguir que tal façanha se torne realidade.

Entendemos que o problema não é o de fazer acontecer uma revisão da Doutrina Espírita conforme sugeriu o próprio codificador do Espiritismo, e sim, de como criar as necessárias e principais condições para torná-la uma realidade que satisfaça a maioria dos espíritas de hoje no que tange a filosofia, ciência e consequências morais, como o fez exemplarmente Allan Kardec no século XIX. Eis o desafio para os adeptos do Espiritismo desta nossa atualidade.




Notas:



(*) Ver no artigo Constituição Transitória do Espiritismo / Atribuições do Comitê: "As principais atribuições do comitê central serão: 1º. - O cuidado dos interesses da doutrina e sua propagação; a manutenção de sua unidade pela conservação da integridade dos princípios reconhecidos; o desenvolvimento de suas consequências; 2º. - O estudo dos princípios novos, susceptíveis de entrar no corpo da doutrina; 3º. - A concentração de todos os documentos e informações que possam interessar o Espiritismo; (...)"

(**) Ver in Obras Póstumas / Constituição do Espiritismo / Comitê Central: "(...) Em lugar de um chefe único, a direção será entregue a uma comissão central permanente, cuja organização e atribuições serão definidas de maneira a não deixar nada ao arbítrio. Essa comissão será composta de doze membros titulares, no máximo, que deverão, para esse efeito, reunir certas condições requeridas, e de um número igual de conselheiros. Completar-se-á, ela mesma, segundo as regras igualmente determinadas, à medida das vagas pela extinção ou outra causa. Uma disposição especial fixará o modo de nomeação dos doze primeiros.

A comissão nomeia o seu presidente por um ano.

A autoridade do presidente é puramente administrativa; ele dirige as deliberações da comissão, zela pela execução dos trabalhos e pela expedição dos assuntos; mas, fora das atribuições que lhe são conferidas pelos estatutos constitutivos, não pode tomar nenhuma decisão sem o concurso da comissão. Portanto, nada de abusos possíveis, nada de alimentos à ambição, nada de pretextos de intrigas e de ciúme, nada de supremacia contundente.

A comissão central será, pois, a cabeça, o verdadeiro chefe do Espiritismo, chefe coletivo, nada podendo sem o consentimento da maioria. Suficientemente numerosa para se esclarecer pela discussão, não o será bastante para que haja confusão.

A autoridade da comissão central será moderada, e seus atos controlados pelos congressos ou assembleias gerais, sobre os quais se falará adiante. (...)"