quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Uma nova pandemia, conhecida como Coronavírus

Marta Antunes de Moura


A Doutrina Espírita ensina que a felicidade humana está na razão direta do cumprimento da Lei de Deus, Lei Natural ou Lei da Natureza, que “é eterna e imutável como o próprio Deus”1. O nosso desafio é, pois, conhecer as leis divinas que, a despeito de estarem inscritas na consciência2, nem sempre conseguimos identificá-las ou compreendê-las, em razão da nossa notória imperfeição espiritual.

Essa imperfeição apresenta a dificuldade de ainda não sabermos distinguir o bem do mal, cujo aprendizado somente é adquirido ao longo das reencarnações sucessivas e dos subsequentes estágios no plano espiritual. Desenvolvido o necessário discernimento entre o que é bom e o que é ruim, de acordo com esta orientação: “O bem é tudo o que é conforme a Lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta […]”3, passamos a agir de acordo com os princípios da moral, entendida como sendo “[…] a regra do bem proceder, isto é, a distinção entre o bem e o mal. Funda-se na observação da Lei de Deus. O homem procede bem quando faz tudo pelo bem de todos, porque então cumpre a Lei de Deus.” 4 Fazer tudo pelo bem dos outros é a linha mestra do aprendizado intelecto-moral que impulsiona o ser imortal aos píncaros evolutivos. É a regra de ouro, assim anunciada pelo Cristo: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois essa é a Lei e os Profetas.” 5

Como os processos de melhoria espiritual exigem dedicação, esforço e persistência, ou seja, “suor e lágrimas”, o grande empreendimento do indivíduo transformar-se em pessoa melhor se faz por meio da superação das provações existenciais, que se revelam cada vez mais desafiantes à medida que surgem novos aprendizados. As provações fazem parte da caminhada evolutiva da vida, que transcorre, naturalmente, nos dois planos existenciais, que lembram uma corrida de superação de obstáculos. É, pois, equívoco acreditar que ocorrências provacionais, como os flagelos destruidores, naturais ou provocados, sejam catalogados como castigo ou punição divina. Quem assim pensa tem de Deus uma ideia antropomórfica (forma ou características humanas – Dic. Aurélio) e se fundamenta em preceitos teológicos arcaicos, visto que Deus, como ensinou Jesus à samaritana, “Deus é Espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e em verdade” (João, 4:24). É desse modo que Ele é nosso Pai e Criador: “Deus é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas menores como nas maiores coisas, e essa sabedoria não permite que se duvide nem da sua justiça, nem da sua bondade.” 6

As catástrofes e doenças que atingem a Humanidade ao longo da história da civilização sempre resultaram (e resultam) em perdas e sofrimentos de diferentes gradações. No momento atual, estamos, no planeta, sob o peso de uma pandemia, o coronavírus. É comum, então, diz Allan Kardec, ouvir-se a voz geral de que “[…] são chegados os tempos marcados por Deus, em que grandes acontecimentos se vão dar para a regeneração da Humanidade. Em que sentido se devem entender essas palavras proféticas? […].” 7 Indaga ele, que prossegue em suas análises ao afirmar:

Tudo é harmonia na Criação; tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores, nem nas maiores coisas. Temos, pois, que afastar, desde logo, toda ideia de capricho, por ser inconciliável com a Sabedoria Divina. Em segundo lugar, se a nossa época está designada para a realização de certas coisas, é que estas têm uma razão de ser na marcha do conjunto. 8

O Codificador complementa as suas sábias ideias com estas ponderações:

Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se realizam paralelamente, visto que a perfeição da habitação guarda relação com a do habitante. Fisicamente, o globo terrestre tem sofrido transformações que a Ciência tem comprovado e que o tornaram sucessivamente habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados. Moralmente, a humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens concorrem para isso pelos esforços da sua inteligência. Saneiam as regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e mais produtiva a terra. 9

As enfermidades e as catástrofes ambientais ─ terremotos e maremotos, ciclones e furações, tempestades e enchentes, seguidas de secas severas, deslocamento de placas tectônicas e geleiras, ataques de meteoros e meteoritos, são cometimentos usuais. Não restam dúvidas de que são ocorrências de caráter verdadeiramente destruidor, ceifando milhões de vidas, mas que, com o desenvolvimento da inteligência e da moralidade, serão cada vez mais amenizadas.

O caráter avassalador das doenças manifesta-se sob três aspectos: pandêmico, epidêmico e endêmico. Diz-se pandemia quando uma doença infecciosa se espalha por diversas localidades do mundo, atingindo países e continentes.10 Exemplo: O coronavírus, cujo agente infeccioso é um vírus denominado Covid-19 em que Covid = Corona Virus Disease (doença do coronavírus), enquanto 19 se refere ao ano de 2019, quando os primeiros casos ocorridos em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês, no final de dezembro. O vírus é SARS-CoV-2 (um coronavírus). Epidemia indica ocorrência de doença em área geográfica mais circunscrita. “O número de casos que indica a existência de uma epidemia varia com o agente infeccioso, o tamanho e as características da população exposta, sua experiência prévia ou falta de exposição à enfermidade e o local e época do ano em que ocorre.”11 Exemplo: Dengue é uma doença epidêmica no Brasil, de predominante ocorrência nos meses de verão, provocava por um vírus transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Endemia, por sua vez, “é a presença continua de uma enfermidade ou de um agente infeccioso em uma zona geográfica determinada.” 12 Exemplo: malária, cujo agente infecioso é um parasito da família Plasmodium. A Região Amazônica brasileira é considerada a área endêmica do país para malária, com 99% dos casos autóctones.

Uma pandemia acontece quando ocorre a associação de três fatores: a) aparecimento de uma nova doença ou variedade (mutação) da forma de uma doença se expressar); b) o agente possui elevado poder de virulência – refere-se à gravidade de uma doença ocasionada por um agente infeccioso; c) o agente infectante apresenta elevado poder de transmissão entre os humanos. É o caso da Covid-19.

Cientistas, acadêmicos e profissionais da saúde se unem no mundo inteiro, cada vez mais, em busca de soluções contra as enfermidades infeciosas e transmissíveis que, se antes demoravam décadas para serem solucionadas ou administradas, agora as pesquisas e soluções alcançam meses. Ante esse esforço comum, muitas doenças graves são controladas ou até erradicadas. A varíola, por exemplo, popularmente conhecida como “bixiga”, foi erradicada do planeta desde 1980, com a campanha de vacinação em massa. Entretanto, a doença atormentou a Humanidade por mais de três milênios. A cólera, outra doença persistente em vários países teve uma ação epidêmica em 1817, matando centenas de milhares de pessoas. É doença provocada pela bactéria Vibrio cholerae, que retornou com força no final do século passado sendo, porém, logo contida. Da mesma forma, a peste bubônica, uma doença que ocorre desde a Antiguidade, ainda persiste nos dias atuais, pois o agente etiológico, a bactéria Yersinia pestis, sofre mutações ocasionais. Acredita-se que 40 a 50 milhões de pessoas tenham morrido no mundo da pandemia da gripe espanhola, provocada pelo vírus da influenza que, entre 1918-1920 teria infectado 500 milhões de pessoas, um quarto da população mundial, aproximadamente. A despeito dos intensos esforços dos cientistas, e no Brasil se destaca o notável trabalho do médico Carlos Chagas, a vacina só foi produzida em 1944.

Essa visão panorâmica dos processos de melhoria espiritual que o ser humano enfrenta, em decorrência de tragédias e catástrofes que atingem a Humanidade, é consequência natural da Lei do progresso, que o faz evoluir intelectual e moralmente. Nada tem de punitivo nem reflete “ação demoníaca” como querem certas interpretações religiosas, que chegam até em falar no juízo final, perante o qual os habitantes da Terra serão submetidos a um último julgamento (juízo final ou fim do mundo), caracterizado pela separação “dos bodes e das ovelhas” (Mateus, 25:31-46). Trata-se , obviamente, de metáfora que indica o resultado das mudanças que a Humanidade terrestre vivencia durante a era da transição, necessárias para que possa viver em outro nível evolutivo, o da era da regeneração, cujo lema será “um só rebanho e um só pastor” (João, 10:10) e apenas uma bandeira estará tremulando em todas as regiões da Terra: Fora da caridade não há salvação.

Emmanuel esclarece que é “possível, porém, avançar mais longe, além da letra e acima do problema circunstancial de lugar e tempo. Mobilizemos nossa interpretação espiritual” 13, instrui o solícito benfeitor. O momento atual exige de cada um de nós uma certa dose de reflexão e discernimento, agindo com prudência no pensar, falar e agir, como também aconselha Emmanuel:

É indispensável procurar o Amigo Celeste ou aqueles que já se ligaram, definitivamente, ao seu amor, antes dos períodos angustiosos, para que nos instalemos em refúgios de paz e segurança.

A disciplina, em tempo de fartura e liberdade, é distinção nas criaturas que a seguem; mas a contenção que nos é imposta, na escassez ou na dificuldade, converte-se em martírio.

O aprendiz leal do Cristo não deve marchar no mundo ao sabor de caprichos satisfeitos e, sim, na pauta da temperança e da compreensão. 14

O pensamento é força criadora. Se desejamos saúde, é indispensável que nossos pensamentos sejam predominantemente saudáveis. Se desejamos o bem, é imprescindível não somente falar no bem, mas pensar no bem e agir no bem. Somente quando percebermos, em cada criatura humana, verdadeiramente, nosso irmão ou irmã, estaremos imunizados contra as agressões viróticas, que começam nos pensamentos em desarmonia. Cuidemos, sim, dos nossos corpos, usando máscara ao sair de casa, lavando bem as mãos e rosto com sabão, higienizando os objetos que tocarmos… Enfim, seguindo com rigor as recomendações dos profissionais de saúde. Mas acima de tudo, mantenhamo-nos em paz e em harmonia com todos os seres da criação, a começar pelo nosso próximo, reflexo do que somos e do que lhe fazemos. E não nos esqueçamos, jamais, de que Deus, como Pai amoroso, sempre age em prol do nosso bem, seus filhos imortais que vivem e evoluem entre dois mundos, o físico e o espiritual.

REFERÊNCIAS


KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 9. imp. Brasília: FEB, 2020. q. 615, p. 283.


Id., q. 621, p. 285.


Id., q. 630, p.288.


Id., q. 629, p.287.


BÍBLIA DE JERUSALÉM. Coordenadores da edição em língua portuguesa: Gilberto da Silva Gorgulho; Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson. Diversos tradutores. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2019. Evangelho segundo Mateus, 7:12, p. 1715.


KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2019. cap. II, it. 14, p. 51.


Id., cap. XVIII, it. 1, p.343.


Id., it. 2, p. 343.


Id., p. 344.


MINISTÉRIO DA SAÚDE. FUNDAÇAO NACIONAL DE SAÚDE. Guia de vigilância epidemiológica. Centro Nacional de Vigilância Epidemiológica. Brasília: 1994. p. 357.


Id., p.354.


Id., p.363.


XAVIER, Francisco Cândido. Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 1. ed. 15. imp. Brasília: FEB, 2020. Cap. 66, p. 145.


Id., p. 146.


Fonte: FEB.

Projeto de Vibrações da FEESP

 

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Fonte: FEESP.

Cinco possíveis efeitos da Covid-19 na prática espírita


Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga, no blog da ABPE.

Muito se fala que o mundo não será mais o mesmo após a incidência da pandemia do novo corona vírus (que ocasiona a Covid-19) e muito se especula sobre os cenários, o que enseja um exercício de como seriam também os possíveis efeitos desse evento global sobre as práticas das casas espíritas, o que se tentará construir nesse singelo artigo.


A primeira suposição é de que seremos menos tolerantes com as mensagens apócrifas. Sim, vivemos uma profusão de mensagens qualificadas como Fake News nas redes sociais, na qual não se sabe o que é mentira ou meia verdade, e esse movimento influenciou também um sem número de mensagens psicografadas com informações que não fazem sentido, confundindo o público que se declara espírita em meio a tanta desinformação, o que gerou, inclusive, notas de esclarecimento de federativas.


Entretanto, uma percepção crescente no enfrentamento à Covid-19 é de que a desinformação alimenta o vírus, o que ensejou movimentos das pessoas, temerosas, por combater informações sem lastro, com mecanismos de verificação e um aumento de busca pela imprensa mais tradicional, para se informar e assim melhor se prevenir, em um movimento que se espera que contamine também os circuitos de informações espíritas, para que estas, mesmo de origem mediúnica – e que contraponham os protocolos oficiais – sejam combatidas.


Espera-se também que haja um maior exercício da solidariedade na prática espírita, pois o cenário atual e futuro aponta para efeitos funestos do isolamento, da doença e da crise econômica relacionada, de forma que herdaremos um mundo mais desigual em termos sociais, e com acentuação dos problemas.


Tal cenário pode provocar um resgate de nossos trabalhos de caráter assistencial, um tanto esquecidos das pautas espíritas, sem a adesão de novos voluntários, preteridos em função de outras pautas, mas que pela emergência dos problemas, podem trazer à baila novas frentes, inclusive em associação a outras denominações, nas chamadas redes assistenciais.


Apenas a título ilustrativo, uma breve consulta ao Periódico Reformador no ano de 1918, no meio da gripe espanhola, mostra na edição de maio de 2018, pp.349 e 384, como as casas espíritas se engajaram no atendimento assistencial aos afetados pela pandemia, o que demonstra como as nossas práticas são influenciadas por eventos dessa natureza.


O terceiro ponto que se antevê é o aumento (sim, ainda mais) da internet no movimento espírita. Essa quarentena ampliou sobremaneira o uso de lives, áudios compartilhados, podcasts e ainda fomentou a inovação de práticas e ações, de forma que as atividades doutrinárias migraram para o ambiente virtual, e aqueles que resistiam a usar essas facilidades, cederam pela força das circunstâncias.


Acredita-se também que na volta paulatina a normalidade, teremos um movimento menos presencial, com mais estruturas no mundo virtual, e isso se relaciona também com o quarto cenário previsto, de um espiritismo mais intimista, com menos caráter de massa.


Sim, pois ainda teremos restrições de aglomerações por um tempo. O retorno não será uma mudança de chave e sim uma volta gradual, com direito a recaídas, e muito, muito receio de todos, em especial no que se refere ao convívio. E tal condição inibirá os popularizados mega eventos que tem caracterizado o movimento espírita recentemente, prestigiando ações menores, nas próprias casas, frequentadas por pessoas que todos conhecem e já convivem, como um mecanismo de proteção sanitária que se observará no mundo fora da casa espírita e que se refletirá nela também.


Com isso, a impessoalidade dessas casas espíritas enormes, com pessoas que não se conhecem, e esses eventos de maior porte, congregando multidões, vai dar espaço a uma vivência mais fraterna, resgatando práticas de convívio um tanto esquecidas, que se combinadas com um mundo mais conectado, vai mudar em muito a nossa forma de interagir como movimento.


Por fim, pode parecer ingenuidade, mas é crível que esse movimento todo vá fortalecer o interesse nos aspectos científicos do espiritismo. Simples, pois a crise da Covid-19 se dá em uma batalha campal entre o pensamento científico, com método e evidências, com o mundo da pós verdade e o pensamento mágico, no qual o negacionismo e as soluções mirabolantes são confrontadas por opiniões sustentadas em pesquisas, e a ciência tem, no mundo todo, se fortalecido como forma de interpretação da realidade e que dá respostas convincentes ao mal que ronda as famílias.


A Covid-19 nos convidou a olhar a realidade dos fatos, o mundo real, pois é nesse mundo que estão seus efeitos. Nos instou a viver no mundo, sem ser do mundo. E a entrar nesse mundo, mesmo que trancado dentro de casa, e nesse sentido, o espiritismo lastreado no método kardequiano se apresenta como fonte segura nessa selva louca e desvairada que nos encontramos.


Pode parecer um excesso de otimismo essa visão dos possíveis efeitos da Covid-19 no movimento espírita, mas é só observar o cenário da sociedade, e o que virá, para entender como isso se refletirá na nossa prática. O historiador Leandro carnal, em entrevista televisiva no dia 26/03/2020, aponta que a peste negra forneceu os elementos para o renascimento, após o extenso período da Idade Média, e que a gripe espanhola se refletiu na preocupação com a saúde pública, reforçando que crises auxiliam a revisão de paradigmas, em especial no caso da Covid-19, que abala o cotidiano de todos nós, de uma forma que nenhuma das gerações encarnadas viveu.