MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com Brasília, DF (Brasil) |
O humor em toda a história da humanidade teve como propriedade romper
estruturas, questionar poderes e permitir ao homem por vezes rir da sua própria
tragédia, de suas situações ridículas, típicas da natureza humana, viajor da
estrada da evolução. Rir para refletir, refletir para contestar e contestar
para agir!
O contexto atual não é diferente. A internet tem servido de canal para mensagens, vídeos e situações engraçadas, algumas replicadas em programas televisivos. Dessas, se destaca recentemente pela sua audiência o “Porta dos Fundos”, que nos fornecerá por meio de um de seus vídeos, contando na data de confecção desse artigo, com mais de 4,5 milhões de visualizações, uma profunda reflexão no campo religioso.
O vídeo a que me refiro, intitulado “Deus”, mostra em seus quase quatro minutos a história de uma jovem que ao desencarnar descobre que o céu correto era aquele suportado por uma doutrina de povos tribais da Polinésia, ilhas retiradas no Oceano Pacífico. Ou seja, que o Deus certo a se acreditar era o “Deus da Polinésia” e, como ela escolheu o Deus errado, estava fadada a perdição no fogo do inferno, por não ter se filiado à escola religiosa correta. Assim, a jovem incauta descobre, ante a pilhéria de um caracterizado Deus polinésio, que o fato dela ter seguido os ritos de sua religião, como ir à missa semanalmente, não foram úteis na sua salvação.
Piadas a parte, rimos do absurdo que não é tão irreal assim. A ideia de um Deus certo, de um povo eleito, como caminho exclusivo da salvação, permeia a teologia de crenças predominantes no globo terrestre e comparece de forma incidente em discursos e textos, onde achamos normal tudo isso, rindo ao mesmo tempo do Deus da Polinésia. Afinal, os polinésios são tão primitivos... E pior, essa ideia vincula a crença e a salvação a práticas exteriores, a filiação a grupos, subordinando a divindade a agremiações humanas ou, ainda, a adesão a determinadas ideias.
O contexto atual não é diferente. A internet tem servido de canal para mensagens, vídeos e situações engraçadas, algumas replicadas em programas televisivos. Dessas, se destaca recentemente pela sua audiência o “Porta dos Fundos”, que nos fornecerá por meio de um de seus vídeos, contando na data de confecção desse artigo, com mais de 4,5 milhões de visualizações, uma profunda reflexão no campo religioso.
O vídeo a que me refiro, intitulado “Deus”, mostra em seus quase quatro minutos a história de uma jovem que ao desencarnar descobre que o céu correto era aquele suportado por uma doutrina de povos tribais da Polinésia, ilhas retiradas no Oceano Pacífico. Ou seja, que o Deus certo a se acreditar era o “Deus da Polinésia” e, como ela escolheu o Deus errado, estava fadada a perdição no fogo do inferno, por não ter se filiado à escola religiosa correta. Assim, a jovem incauta descobre, ante a pilhéria de um caracterizado Deus polinésio, que o fato dela ter seguido os ritos de sua religião, como ir à missa semanalmente, não foram úteis na sua salvação.
Piadas a parte, rimos do absurdo que não é tão irreal assim. A ideia de um Deus certo, de um povo eleito, como caminho exclusivo da salvação, permeia a teologia de crenças predominantes no globo terrestre e comparece de forma incidente em discursos e textos, onde achamos normal tudo isso, rindo ao mesmo tempo do Deus da Polinésia. Afinal, os polinésios são tão primitivos... E pior, essa ideia vincula a crença e a salvação a práticas exteriores, a filiação a grupos, subordinando a divindade a agremiações humanas ou, ainda, a adesão a determinadas ideias.
A dramaturgia portuguesa da era de Cabral, no
texto teatral do “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente, já indicava ao
Sapateiro que pergunta ao diabo no momento pós-morte: “Quantas missas eu
ouvi, não non hão elas de prestar?”, eis que recebe como resposta: “Ouvir
missa, então roubar, é caminho per'aqui”. Sempre perturbou a humanidade, em
seus conceitos mais naturalistas de justiça, a ideia de que apenas algum povo
nesse “mundão de meu Deus” possuísse a chave da salvação e que o bem proceder
não lhe adiantasse de nada. Porém, a religião sempre extrapolou os papeis de
ligação com a divindade, servindo de instrumento de poder e de dominação.
Entre as lutas pelo poder terreno e as disputas
econômicas, serviu a religião como elemento ideológico que motivou (e motiva)
guerras, dissensões, atentados, opressões e toda ordem de ações contra a
humanidade, pela promessa da salvação e pelo medo da perdição. Discursos e jogos de palavras, doutrinas e hábitos
que formam a identidade de grupos, prometendo a seus membros o paraíso diante
das agruras da vida terrestre, tornando a todos obedientes e mantendo a razão
distante, isolada lá nos rincões da Polinésia.
Jesus, nesse sentido, foi revolucionário. Ele
colocou a chave da vida em amar ao próximo como a si mesmo. Kardec, estudando
as palavras do Mestre, indicou de forma ampla que fora da caridade não há
salvação. Fórmulas que se aplicam a qualquer tempo, a qualquer local e a
qualquer pessoa, independente de crenças, de dogmas, de rituais ou de filiação a grupos. Amar,
simplesmente, como se isso fosse de alguma forma simples. E a religião, esta
tem nesse contexto um relevante papel de agregar valor à nossa capacidade de
amar, para que sejamos reconhecidos como discípulos do mestre por essa
característica. O que fugir disso é acessório, longe do essencial que é
invisível aos olhos.
Como assevera também Kardec n’ O Evangelho
segundo o Espiritismo, a ideia do “Fora da caridade” se assenta num princípio
universal e abre a todos os filhos de Deus acesso à suprema felicidade. Reflete assim a visão de um
Deus justo, bom, pai de todos, sem predileções ou povos eleitos. Podemos
acrescentar que a visão de evolução e de vida após a morte é uma decorrência
da nossa visão de Deus, e o Espiritismo, de forma coerente, assim se
posiciona. Deuses vingativos, com preferências, defensores de determinados
grupos, em um arremedo de antropomorfismo, decantam em teologias salvacionistas
e segregacionistas, enxergando irmãos e não-irmãos.
Assim, como espíritas temos nessa singela peça de
humor disposta na internet uma oportunidade ímpar de reflexão, sobre o que
trazemos na nossa consciência em relação ao que realmente importa na vida ou
se descansamos em berço esplêndido na prática religiosa morna, que iria nos
garantir o acesso às benesses do paraíso. Esquecemos, por vezes, que o
Espiritismo nos coloca que a vida é trabalho em ambos os planos da vida e que
a criatura constrói seu processo de evolução, no tempo e ritmo definidos pelo
seu esforço e pela sua vontade. No Espiritismo, há céu para todos, mas há
também inferno, quando alojamos em nós os caminhos para esses estados de
espírito.
A filiação à casa espírita, a prática das
atividades doutrinárias, tudo isso não nos faz diferentes ou melhores que
ninguém; nos faz melhores que nós éramos, se interiorizarmos aqueles
ensinamentos. Não temos privilégios e temos amparo, como tem apoio da
espiritualidade nossos irmãos da Europa, da África e, também, da Polinésia.
Assim, nossa religião não nos garante a salvação, mas se apresenta como uma
das ferramentas de apoio à nossa evolução como encarnados, assim como são as
outras religiões ou, ainda, a família, a escola e tantas outras oportunidades
que surgem.
Difícil pensar assim... Afinal, nos esforçamos,
vamos à casa espírita toda semana, tomamos o passe, bebemos a água fluída. E
ainda assim, nada nos garante. Garante-nos, ainda tomando emprestado o
pensamento kardequiano, o esforço por uma conduta reta e se tudo isso – água,
passe, reunião – não contribuir para o projeto maior do “Homem de bem”,
voltaremos às antigas fórmulas de sepulcros caiados, das quais já fomos
advertidos há mais de dois milênios pelo meigo nazareno. O Espiritismo traz
um novo paradigma religioso, e não apenas uma transposição de práticas de
outras religiões, com outros nomes.
Por isso tudo, achamos graça do Deus da
Polinésia, de suas exigências ridículas para garantir o acesso ao paraíso.
Achamos graça da forma que nós vemos Deus, que não é muito distante da
divindade pintada pela genialidade dessa peça humorística, mas que, se
observada com os “olhos de ver”, pode nos trazer uma reflexão, que, de
cômica, passa a ser perturbadora, de que a senda da evolução é complexa e que
demanda de nós muito mais que fórmulas exteriores, em um compromisso nosso
com a divindade, forjado no momento de nossa criação.
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