quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Não nos interessa em quem você vai votar


Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga, articulista espírita.

As redes sociais tem um potencial de aproximar pessoas, de trazer ideias e opiniões para uma grande e enviesada ágora (1), na qual se constroem opiniões, se destroem reputações e ascendem ideias, ídolos, símbolos, grupos, sendo hoje, de longe, estas organizações virtuais os maiores formadores de opinião, superando a família, a igreja e a escola, que tradicionalmente desempenharam essa função.

Quem não está nas redes sociais, não existe. Essa é uma verdade que se afirma cada vez mais e nos faz ver nestas um reflexo do mundo dito físico, mas que também influencia esse sobremaneira. Quase um plano espiritual... O filme “Jogador Nº 1”, de Steven Spielberg (2018), descreve bem esse mundo não tão distante... de pessoas imersas no virtual e dessas relações ditando o mundo real, com os mesmos conflitos de poder que assolam a civilização desde a sua gênese. 

E diante de fatos relevantes, como catástrofes, descobertas científicas e pleitos eleitorais, essa plenária de cegos, surdos, retransmissores e oniscientes se agita, capitaneada por influenciadores digitais amplos ou segmentados, com mãos que abrem portas e dão destaques a certas coisas em detrimento de outras, nos fazendo repensar essa ideia da internet como um utópico campo livre, percebendo esta como loteada por forças e grupos, como um reflexo da sociedade, com a diferença que os canais de comunicação agora podem ser mais controlados e monitorados. 

Nesse cenário, que em poucos anos se instalou e mudou a nossa forma de se comunicar e de se viver, nos defrontamos mais uma vez em um pleito eleitoral, com a diferença de termos polarizações diferentes dessa vez, a ascensão de temas antes ocultos, e uma selvageria nas relações e nos posicionamentos, uma decorrência do ringue político que se transformaram as redes sociais, nas quais cidadãos se digladiam com memes e agressões verbais, levando essas lutas (na sua maioria inférteis) para a família, a escola, o trabalho e... o ambiente religioso. 

Sim, nosso sagrado foi invadido por essa polarização político-partidária sem partidos definidos, agressiva e que traz associada a si uma patrulha de palavras e de gestos, transcendendo em muito as questões sociais típicas. Fomos incompetentes para blindar nossa prática religiosa dessa onda que veio das redes sociais, e que nos assaltou, e agora me refiro ao nosso caso especial, as casas espíritas, as palestras, os eventos e os sites.

Da cor da sua camisa, ao adesivo do carro parado na porta da casa espírita, no privado se questiona o post do palestrante sobre um assunto político. Afinal, ele também é um influenciador de opiniões, e tem que ver bem o que ele pensa. Um cenário foucaultiano de vigilância e de classificação em tipologias, cada um com seu espírita ideal pairando na mente, negando a nossa diversidade como espírito encarnado, e as nossas construções, e influências, que transcendem apenas o nosso papel social como espírita. 

Por uma banda, enquanto ideologias negam conquistas de Direitos humanos e trazem uma meritocracia descontextualizada, trazemos esse viés para nossos trabalhos assistenciais, vendo nossos irmãos menos favorecidos como vagabundos. De outra mão, pairam ideologias que proscrevem o trabalho profissional, como fonte de alienação, e isso vira uma ode a inação nas tribunas da casa espírita. Seria tão frágil o nosso conjunto de conhecimentos, que se permite ser derrubado assim por uma brisa de polarizações ideológicas? 

Nos vimos pressionados a nos posicionar como movimento, como palestrantes, como articulistas, como trabalhadores, patrulhados pelas nossas falas como cidadão, dado que nas redes somos isso tudo ao mesmo tempo. E nisso surgiu uma tênue e arriscada tentação. A de alegarmos que nesse debate devemos buscar a coerência do espiritismo com as polarizações políticas, entendendo que podemos estabelecer consensualmente que o candidato A, ou o partido B, não é coerente com as ideias espíritas, e por conseguinte, não faz sentido um espírita, lato sensu, esposar essa opção. Um frio na barriga... 

Ora, ora...essa é uma manobra arriscada. De criarmos uma bula do que pode ou não pode o espírita em matéria política (ou esportiva, ou artística (2), ou de outros aspectos), na sua condição de cidadão, escolher como caminho. Isso resvala no temido “irmão vota em irmão”, ou ainda, na sedutora ideia de se direcionar o nosso pensamento como um rebanho, e isso vale para todas as matizes ideológico-políticas que pululam por aí... Afinal, somos um grupo pequeno, na formalidade do Censo do IBGE, mas grande no potencial de influência. 

A doutrina, como uma chave do pensamento libertador, nos dá elementos para construirmos as nossas convicções, sem que precisemos de alguém que nos diga, em um pacotinho hermético, o que devemos fazer nessas escolhas. O estudo, como valor, e o diálogo como prática, são a força do espiritismo que permite o alicerce para que cada um conduza a sua encarnação com a coerência que lhe for possível, dentro de suas faixas de amadurecimento, respondendo pelas suas obras, dentro de suas limitações. 

A história nos mostra que quando caímos nesse caminho direcionador, ganhamos de presente a hipocrisia, a manipulação, a predominância de interesses materiais. Rótulos, prescrições, levam a tochas e foices, e pouco ao crescimento espiritual. Não me recordo nesses quase trinta anos, de precisarmos de representantes na esfera política. Exercer a religião é um direito que a democracia nos faculta. A todas as crenças! Como dizia um sábio... a César o que é de César. 

Fugir disso é abrir um portal para que nossos eventos, nossos textos, nossas falas nas casas espíritas, incorporem a venda do peixe que aprouver aos nossos dirigentes locais, ou mesmo em instâncias mais amplas, legitimando uma pauta que até agora, como segmento religioso, conseguimos nos blindar razoavelmente. Um valor que nos é caro, de entender que essas lutas passam, mas as nossas questões como espíritas, como grupo que esposou essas ideias trazidas por Kardec, continuam. 

Até por que, nessa selva de receptores e transmissores, onde surge o conceito de pós-verdade, pouco sabemos do que foi e menos do que será. Defender pessoas já levou a religiões caírem do cavalo, com desculpas e retratações. Ídolos de pés de barro não são uma exclusividade religiosa, com vários na política. Ao divino, este sabe quem é quem, e cabe ao espiritismo a nos robustecer para atravessar essa selva desvairada, com uma espiritualidade que liberta, e que nos permite andar com as nossas próprias pernas. 

O espírita desempenha outros papeis, como cidadão, como familiar, como profissional. Ele tem um compromisso de coerência com ele mesmo nesse sentido, mas que não pode ser imposto por fora. Sendo mais específico, se a Doutrina se posiciona contra o aborto e a pena de morte, e ele quer escolher um candidato nesse viés, é uma opção dele dentro do que se apresenta no cenário político, e do que ele entende na sua convicção, na percepção dos problemas sociais de que se ocupa essa política. Mais um pouco, só casaremos com espíritas, só consumiremos filmes e músicas desse segmento, daremos preferência a funcionários afins a essa ideia e... bem, já vimos esse filme de homens postiços. 

Nós, como movimento, ao invés de nos engajar em lutas legislativas sobre a legalização ou não de coisas, que se refletem em discussões eleitorais, nas suas pautas, devemos nos preocupar com entender os problemas humanos a luz da doutrina, e na tribuna, no texto da revista, trazer esse entendimento para reflexão, não para regular friamente, mas para amparar e esclarecer, para educar cada um em uma dimensão profunda, na construção de um homem de bem de raiz, e não de discursos. Não queremos o homem de bem de memes. 

De forma conclusiva, a simplificação de espírita não pode votar em A ou B, como uma postura aceita e incentivada, é uma arriscada armadilha, que abre portas para outros tipos de intromissão e que mudam o ethos do espiritismo, e que trazem atrelados a si coisas como precisarmos de gurus que nos orientem, de verdades inquestionáveis e da necessidade de um gabarito oficial da religião para as decisões que nos cabem na vida encarnada. E que não são simples, e nos responsabilizamos por elas, individual e coletivamente. 

Sob o risco de ser taxado de isentão ou omisso, esse texto é uma tentativa de provocar a reflexão sobre essas posturas, pensando o futuro e a sustentabilidades do nosso movimento. 

NOTAS: 
(1) Assembléias em praças públicas na Grécia antiga. 
(2) E a mesma ideia espírita que proscreve o Carnaval, mas não ataca outros tipos de festejos. 


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