sexta-feira, 10 de maio de 2024

Pesquisa Genética foi Realizada com Médiuns e Parentes de Primeiro Grau Não Médiuns

Wagner Gattaz, referência em esquizofrenia, liderou projeto

Por Ana Elizabeth Diniz / Especial para O TEMPO

 
 Wagner Gattaz concluiu que experiência anômala espírita não está associada à psicose


Quem já não escutou que a mediunidade pode ser um distúrbio mental, e não uma capacidade de comunicação com o mundo espiritual? A ciência acaba de jogar esse conceito por terra. A pesquisa intitulada “Experiência anômala espírita não está associada à psicose” foi recentemente publicada em um jornal científico internacional, o “Schizophrenia Research”, considerado o de maior relevância nessa área.

“Isso significa que o trabalho foi aprovado após o escrutínio de pareceristas experts nessa área. É um atestado da qualidade científica do trabalho”, comemora Wagner Farid Gattaz, professor titular de psiquiatria da Universidade de São Paulo, tendo lecionado entre 1983 e 1996 na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e considerado um dos principais pesquisadores do mundo em esquizofrenia.

A pesquisa foi uma parceria entre a Universidade de São Paulo e o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora e teve ainda como autores Alexander Moreira-Almeida e Marianna Costa.

Gattaz comenta que uma de suas áreas de pesquisa é a neurociência, “que procura encontrar correlatos biológicos para fenômenos mentais e comportamentais”. “Vários estudos têm demonstrado que médiuns espíritas têm um índice de acerto em suas predições que não pode ser explicado por motivos triviais, como fraude, obtenção de informações por outros meios, acertos por chance ou simples asserções gerais sem especificidade para os fatos em questão”.

Segundo o professor, “parece existir algo mais que confere índices de acerto acima do esperado pelo simples acaso”. “Como os médiuns apresentam vivências em parte semelhantes às alucinações que ocorrem em pacientes com quadros psicóticos, como escutar vozes, apresentar visões ou sentir-se em contato com espíritos, fizemos este projeto para verificar se os médiuns apresentam doença mental, especificamente quadros psicóticos, que poderiam explicar suas vivências. Este projeto é parte de um estudo maior, no qual procuramos também marcadores genéticos ou biológicos para a mediunidade”, explica.

Os pesquisadores avaliaram 78 médiuns e 62 parentes de primeiro grau sem mediunidade. “Com isso, os dois grupos eram semelhantes no que se refere a fatores socioculturais e econômicos, como classe social, religião, estado nutricional, oportunidades de estudo e de desenvolvimento profissional. A diferença era a presença ou não de mediunidade”, observa Gattaz.

A principal conclusão, diz ele, “é que a mediunidade não está associada a doença mental e que os fenômenos mediúnicos não refletem um estado psicótico”. “Além disso, médiuns apresentam algumas vantagens em áreas como qualidade de vida e a progressão cultural e profissional, quando comparados com seus familiares sem mediunidade. Isso sugere que a mediunidade está mais associada à saúde do que à doença mental. Os resultados da pesquisa reforçam outras pesquisas em culturas e países diferentes e desmistificam a premissa de uma associação entre mediunidade espiritual e doença mental”, avalia o cientista.

Gattaz enfatiza que “é papel da ciência explicar os fenômenos naturais e nos ajudar a compreender melhor a realidade”. “Foi a ciência que explicou serem doenças fenômenos que, antes, eram atribuídos à vontade dos deuses ou a causas sobrenaturais, como a epilepsia”.

E finaliza: “O inverso pode ser verdade, sendo papel da ciência também procurar explicações lógicas para fenômenos tidos como doença ou crendices sem base real. Essa é a meta de nosso projeto com médiuns, que continuará pesquisando fatores biológicos e genéticos que possam explicar a mediunidade como uma forma mais aguçada de percepção da realidade”.


Revelação: Vivência mediúnica não é transtorno

“O primeiro estudo publicado desta pesquisa demonstrou que os médiuns não apresentaram variáveis sugestivas de transtorno mental, como desorganização, anedonia, sintomas paranoides ou impulsividade, quando comparados com seus familiares saudáveis sem mediunidade. Além disso, mostraram ter uma qualidade de vida e funcionamento semelhantes aos de seus familiares”, revela Marianna Costa, médica, psiquiatra e pós-doutoranda no Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A pesquisadora comenta que os resultados sugerem que a simples presença de experiências mediúnicas não indica a existência de transtorno mental. “Essa descoberta está alinhada com a literatura científica, que mostra que ter percepções extrassensoriais, como ver ou ouvir coisas que os outros não percebem, e acreditar em fenômenos considerados paranormais não é, por si só, indicativo de transtorno mental”.

A médica conclui: “Assim, há uma sobreposição fenomenológica entre experiências espirituais saudáveis e sintomas psicóticos, especialmente os classificados como ‘positivos’. É essencial que os profissionais de saúde mental compreendam profundamente essa sobreposição para evitar erros de diagnóstico e tratamentos desnecessários”.


Conclusão: foram ouvidos médiuns de destaque

Alexander Moreira-Almeida, professor titular de psiquiatria, fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, é um dos autores da pesquisa. “O objetivo central é a comparação do exoma (todos os genes que expressam proteínas em uma pessoa) de médiuns com o de parentes de primeiro grau não médiuns, buscando genes ligados à capacidade mediúnica”.


O professor diz que a pesquisa buscou distinguir “experiências anômalas” normais das patológicas. “Realizamos uma avaliação clínica e sociodemográfica de uma amostra nacional de médiuns brasileiros de destaque e os comparamos com seus parentes de primeiro grau que não apresentavam mediunidade, controlando assim as origens socioeconômicas e culturais, e parcialmente as variáveis genéticas, pois esses fatores podem influenciar tanto as preferências religiosas (e o envolvimento com experiências místicas) quanto a saúde mental, representando, portanto, potenciais variáveis de confusão”.

Em suma, o estudo “fornece evidências de que os principais marcadores de doença mental estão mais intimamente ligados à desorganização cognitiva e comportamental, ao isolamento social e afetivo, bem como à impulsividade”, finaliza Moreira-Almeida.



Fonte: O Tempo.

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