sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Instrução e espiritualização

Cairbar Schutel

Publicado na RIE em dezembro de 1932

Instrução e espiritualização são as bases fundamentais da civilização.
Um povo sem instrução traz em sua aura o caráter de um povo nômade, prejudicial a si próprio e aos demais povos com quem estabelece relações.
Não se pense, entretanto, que a instrução seja o único requisito da civilização. Instrução sem espiritualização é ainda mais prejudicial do que ignorância, porque o homem instruído que não cultiva a espiritualidade, faz reverter todo o seu saber para o mal, que ele julga ser um bem.
Vale mais a espiritualização sem instrução do que a instrução sem espiritualização.
A espiritualização do indivíduo é a pedra de toque por onde se conhece a sua elevação.
As letras podem envernizar, polir, aformosear a criatura exterior, mas só a espiritualidade pode caracterizar a alma do santo, do bom, do justo.
No nosso País há muita instrução mas pouca espiritualização; muita sabedoria e poucas virtudes, muitas palavras e quase nada de boas obras. Uma prova disso são os hospitais que se fecham por falta de recursos e outros que não se abrem por carência de auxílio.
O nosso povo supersticioso, fanático e cheio de crendices, não tem, entretanto, religião, quer dizer não trata da sua espiritualização; fala em Deus, mas não busca a Deus; tem Deus nos lábios mas não tem no coração.
É preciso que dissemine a instrução, mas é indispensável que se trabalhe para a espiritualização das gentes.
Se o nosso futuro Código for apresentado com feição genuinamente liberal, isento de influência das seitas degradantes que aferrolham a inteligência e impedem voos à razão; se os detentores do poder garantirem a todos os pensadores a palavra livre e fomentarem a instrução moral e espiritual do povo, a nossa bela pátria, além de se libertar dos parasitas que a infestam e que oprimem a consciência humana, dará um grande passo na conquista da Paz, da Fraternidade.
Precisamos de Paz, mas a paz não virá pela força das armas; só nascerá da convicção de que a paz é o elemento basilar para todos os grandes empreendimentos.
Precisamos de Fraternidade, mas esta não se fará por imposição de uma ou de outra facção, deste ou daquele partido guindado ao Poder, mas sim por meio de um ensino doutrinário suasivo, lógico, claro, racional, com direito a todos de livre-exame e de aceitação espontânea deste ou daquele princípio.
A Paz não é um elemento abstrato, assim como a Fraternidade não é uma simples manifestação sentimental; aquela é um todo concreto que exige trabalho da razão, critério, circunspecção no estudo, aclaração de ideias, assim como a Fraternidade, para o seu decisivo estabelecimento requer um estudo religioso todo baseado na Moral Cristã que prescreve o amor do próximo com os complementos de — “faze ao teu semelhante o que queres que ele te faça, e não faze o que queres que ele não te faça”.
Enfim, a instrução espiritual é que eleva e dignifica o homem conduzindo-o aos mais altos cimos, onde com forte razão pode ver os amplos e infinitos horizontes da Vida com todas as suas magnificências e esplendores.
A instrução intelectual desenvolve e prepara o cérebro para aquisições nobres, vivificadoras do Ideal, mas a instrução espiritual desvenda ao espírito o mistério da existência que tem sido uma caixa de segredo para as gerações passadas e grande maioria da geração atual.
Urge que a instrução seja sancionada pelos nossos governantes, mas a instrução popular, que ela se estenda a todas as cidades, vilas e aldeias; que homens desinteressados, mas que desejam o bem espiritual da coletividade, saiam como outrora os Apóstolos, dois a dois, de povoação em povoação, anunciando a todos os poderes desconhecidos do espírito, as maravilhas da redenção, a necessidade do cultivo espiritual, as vantagens do progresso animista, o modo real de encarar a Vida, na sua forma material perecível e psíquica imperecível.
Urge que o nosso Governo, sem “parti-pris”, proclame os direitos de liberdade do homem de acordo com a liberdade da coletividade, facultando assim o livre-pensamento e garantindo a palavra na praça pública a todos os “credos”, sem preferências nem exclusões.
É preciso que dentre os homens que se constituíram nossos governantes seja guardada uma severidade de costumes, absoluta isenção de manifestações sectário-religiosas, quando no desempenho das suas funções governativas. Os artigos da Lei não são feitos unicamente para os que são governados, mas também para os que governam, e a aliança, embora somente virtual de um chefe do poder com uma seita religiosa, traz como consequência a proteção a esta e o repúdio às demais formas de pensamento que geralmente se acham mais próximas da Verdade do que a privilegiada que se mantém, seja pela força da tradição, seja pelo número de seus adeptos que inconscientemente abraçam dogmas e artigos de fé insustentáveis, quando passados pelo crivo da razão.
A nova civilização que surge não quer viver na obscuridade, pede luz e a luz só se pode fazer pela instrução espiritual das massas, pela proclamação dos livres direitos de crer.
É preciso que se compreenda que esse trabalho de espiritualizar os povos não pode ser efetuado por uma seita religiosa, embora ela se proclame a da maioria da nação, porque então teríamos de cercear às demais os direitos de trabalharem também pelo progresso coletivo. Acresce ainda a circunstância de que ninguém pode afirmar que a maioria, só pelo fato de constituir maioria, represente a Verdade. A História nos ensina justamente o contrário.
Foram as maiorias que envenenaram Sócrates, humilharam Galileu, e condenaram a Cristo.
Todos os novos descobrimentos, todas as verdades novas sofreram o batismo de repúdio das grandes maiorias, que caluniaram e mataram seus descobridores.
Nas grandes maiorias é que prevalece a ignorância. Haja vistas no nosso País, no qual o analfabetismo atinge ao respeitável número de 80% da sua população!
É preciso que haja instrução e que a instrução não se limite à alfabetização, mas que ela tenha o poder de espiritualizar o homem, porque só a Espiritualidade nos aproxima de Deus.
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