Lucy Dias Ramos
“Mas quando falo destas pequenas felicidades certas, que estão diante de minha janela, uns dizem que elas não existem, outros que só existem diante de minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.” Cecília Meirelles
Com o mesmo pensamento da poetisa, transcrito acima, eu acrescentaria: mas estas pequenas coisas imperceptíveis para alguns me fazem completamente feliz!
Será possível ser feliz neste mundo?
Creio que sim. Não a felicidade que se busca nas coisas efêmeras da vida, mas aquele momento mágico em que nos colocamos acima de tudo o que é tangível para perceber no âmago das coisas e pessoas que nos cercam o sentido real que representam em nossas vidas e o valor essencial de cada uma delas.
É tão controvertida a análise do que seja um homem feliz. Para alguns é a conquista do poder, da glória... Para outros é a riqueza material com que adquirem coisas, objetos de valor, aparelhos de locomoção sofisticados para comandarem seus negócios, suas posses... Para tantos outros são as condições que lhes possibilitem viajar pelo mundo, conhecer outras terras, visitar países longínquos e exóticos... Todos estes encontram o prazer nas sensações ainda ligadas ao dinheiro, à riqueza material.
Serão, realmente, felizes?
Não estaria a felicidade real na vida simples dos que vivem na contemplação do belo, do inatingível, do infinito das horas quando as reflexões mais profundas invadem o ser, levando-os a entender a poesia da vida, a excelência do amor, a grandeza da verdade?
Entretanto, muitas pessoas se dizem infelizes, porque não possuem bens materiais, posições de destaque na sociedade... Não cogitam de refletir em torno do sentido da vida, o que as levaria a entender que felicidade reflete o nosso mundo íntimo e não está nas coisas exteriores ou valores perecíveis.
Muitos entendem que felicidade é a ausência da dor, dos problemas vivenciais, de preocupações com sua sobrevivência, como se a vida fosse isenta de lutas e desafios, em nosso estágio de evolução.
Allan Kardec, no cap. V de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, nas instruções dos Espíritos, coloca uma mensagem de François Nicolas Madeleine, Cardeal Marlot, recebida em Paris em 1863, na qual ele discorre sobre a felicidade aqui na Terra. E logo no início ele diz que:
“em função do grande número de pessoas que reclamam neste mundo, prova melhor do que todos os raciocínios possíveis, esta máxima de Eclesiastes “a felicidade não é deste mundo”. Com efeito, nem a riqueza, nem o poder, nem mesmo a florida juventude são condições essenciais à felicidade. Digo mais: nem mesmo reunidas estas três condições tão desejadas, porquanto incessantemente se ouvem, no seio das classes mais privilegiadas, pessoas de todas as idades se queixarem amargamente da situação em que se encontrem.”1
Analisando as posições diferentes em que nos encontramos na Terra, toda as múltiplas necessidades humanas e as situações e reações na luta pela sobrevivência física, começamos a entender que a felicidade é mais um estado emocional relacionado com o sentimento que vige dentro de nós no enfrentamento das dificuldades e das dores morais.
Joanna de Ângelis nos ensina que a felicidade não “está adstrita a determinados padrões, de maneira a que seja a mesma para todos.”
E leciona:
“Estando as pessoas em estágios com diferentes níveis de consciência e de conhecimento, as suas aspirações diversificam-se, apresentando-se em tonalidades muitos especiais, representativas de cada qual. Desse modo, o conceito de felicidade na vivência normal e comum é muito diferente, em relação aos seres humanos, apresentando-se com características próprias, referentes ao estágio e qualidade da emoção de cada um.”2
Procuro analisar a assertiva do texto acima transcrito e penso:
Agora, no momento em que escrevo, pergunto a mim mesma: Estou feliz? E estar feliz neste instante de minha vida em que procuro repassar para você, querido leitor, o que sinto e como entendo a felicidade aqui na Terra, não é difícil porque estou analisando um estado de minha alma que se encontra tranquila, admirando através da janela um lindo céu azul, entremeado de nuvens muito brancas, tendo o Sol invernal um tanto acanhado e tardio, mas que aquece e ilumina um lindo dia... Olhar a natureza em torno de mim é motivo de felicidade, de gratidão porque meus olhos alcançam a amplidão, vislumbro cores, distingo ao longe as montanhas recortadas de ruas onde casas se alinham de forma desordenada, mas de rara beleza em sua diversidade de cores e formas... E imagino que dentro destas moradias existem pessoas como eu que buscam entender o porquê da vida, trabalham, se esforçam para viver em paz e acreditam em Deus, em Sua bondade infinita, em Seu amor imensurável por nós...
Estar feliz é simplesmente ser feliz num determinado momento. Vivendo intensamente este instante em que de tão comum e verdadeiro, se torna simples e imperceptível para os mais desatentos...
Todavia se eu mudar o verbo e formular a pergunta: Sou feliz?
Muda completamente o sentido, porque ser feliz implica em situações permanentes que irão sobreviver além de uma existência física. Reconheço assim a impermanência deste instante de felicidade.
Ser feliz é ter consciência do que sou, do que busco na vida, do que é essencial à paz e ao equilíbrio de minhas emoções. É compreender que eu sou um Espírito imortal que tenho um corpo perecível do qual me utilizo nesta reencarnação, adquirindo o que preciso para ser feliz, mas não sou as coisas e os valores intelectuais que possuo, os títulos que recebi, mesmo os merecidos, o nome que uso, nem os dados que me identificam como cidadã...
Estou usufruindo destes objetos e valores necessários ao meu viver aqui na Terra, mas eu sou muito mais que tudo isto, na carreira das vidas sucessivas...
Condicionamos, muitas vezes, a felicidade às aquisições de bens ou conquistas no âmbito profissional ou social... Reagimos de formas variadas com relação aos meios empregados para realizar nossos desejos. Mas todos nós temos metas a seguir e anseios ligados aos nossos interesses pessoais.
A vontade impulsionando a luta para a aquisição do que almejamos ou da meta a que nos propomos atingir é determinante, entretanto, não poderá extrapolar o nível ético com que pautamos nossas vivências.
Não é fácil viver sem estar preocupado com as coisas materiais enquanto encarnados, com as implicações familiares, sociais, profissionais e mesmo as religiosas que motivam a atual existência.
Entretanto para ser feliz realmente temos que educar nossos sentimentos, equilibrar nossas emoções, entendendo que estar feliz é transitório enquanto desejar uma felicidade real depende unicamente da autoconsciência e dos níveis éticos estabelecidos para cada um de nós.
“A alegria é a presença de Deus no coração do ser humano, cantando, sem palavras, melodias de perenidade, mesmo que de breves durações.”3
Ser feliz, portanto, é sentir a presença de Deus nas coisas mais simples da Natureza e daquilo que toca o nosso coração quando olhamos através dos olhos da alma, as belezas da criação divina... O olhar puro de uma criança, os pássaros que cantam no amanhecer festejando a vida, o colorido das flores singelas, as ondas do mar beijando a areia aquecida pelos raios de sol, a estrada alongada por onde caminho pisando as folhas secas e o capim macio, a face enrugada do ancião sinalizando suas vivências, como rotas seguras que refletem sua experiência, a diversidade das cores que contornam os campos e as montanhas em sua perenidade, enfim tudo o que permanece, embora se transforme, e não depende de nós.
Mesmo sabendo que este momento é transitório, eu estou feliz em poder refletir diante da beleza da vida que estua diante de mim!...
E você, querido leitor, está feliz?
Estar feliz é o primeiro passo que ensaiamos para conquistar a felicidade real.
1- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. P. 113
2- FRANCO, Divaldo P. Atitudes Renovadas. P. 122.
3- FRANCO, Divaldo. P. O Despertar do Espírito. P. 72
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