Cairbar Schutel
Publicado na RIE em março de 1933
O Espiritismo veio abrir à humanidade um vasto campo de estudo e de pesquisa, que não demorará a ser apreciado por todos os homens de boa-vontade.
Livre das injunções dogmáticas, renunciando de suas cogitações o sobrenatural e o mistério, dotado de novo método de ensino que proclama o livre-exame e o exercício da razão para a boa compreensão dos fatos, o Espiritismo se constituiu a grande Escola em que todos, grandes e pequenos, sábios e ignorantes hão de forçosamente aprender, sob as bases constitutivas da Verdade, a religião e a ciência que nos dão progresso, bem-estar, felicidade.
Essencialmente adstrito aos princípios cristãos, sob os auspícios do Consolador, o Espírito de Verdade prometido por Jesus, para nos guiar em toda a verdade, o Espiritismo é, de fato, a grande Filosofia capaz de resolver todos os problemas, de explicar clara e sucintamente todas as manifestações psíquicas, todos os fenômenos tidos por miraculosos que têm ensombrado as gerações. Ele é a luz raiando no meio das trevas e o fanal que nos ilumina o porto de salvamento.
Com efeito, uma ciência e uma religião que se apoia em fatos incontestáveis, como os que servem de base à grande Doutrina que propagamos e defendemos, não pode deixar de ser verdadeira.
É para notar ainda que todos esses fenômenos, todos esses fatos se verificaram em todos os tempos e em todos os países, sem que os sábios, os doutores, os sacerdotes, se lembrassem de coordená-los e coodificá-los para servirem de fundamento, de base principal da filosofia e da moral que ergue os povos e une os indivíduos, equilibrando a sociedade nos princípios do amor fraterno, que dá a paz, o progresso e nos conduz à perfeição.
Esta glória coube ao ilustre missionário lionês Dr. Léon Rivail, mais conhecido por Allan Kardec, o Tirteu do pensamento, a personificação do critério em sua mais alta significação e do espírito de concisão em sua mais elevada essência.
Os fatos espíritas, de fato, acolhidos por todos os luminares do Cristianismo e pela escola dos Profetas do antigo Judaísmo, foram claramente enunciados por S. Paulo em sua 1ª Epístola aos Coríntios, cap. 12, onde o Apóstolo lembra a OPERAÇÃO DE MARAVILHAS, que compreende, ou antes abrange uma multidão de fenômenos que se reproduzem atualmente com certa intensidade e têm sido observados por homens eminentes, isentos de qualquer suspeita e de grande honorabilidade científica.
Dentre esses fenômenos, incluídos nas MARAVILHAS, se encontram aqueles intitulados ORDÁLIAS, que antigamente constituíam provas para julgamento de indivíduos acusados deste ou daquele crime.
ORDÁLIA, vem do vocábulo anglo-saxônio ORDEAL, que quer dizer prova, exame (prova de fogo e de água).
A prática das ordálias se encontra em todos os povos selváticos, e nas antigas religiões parecia indicar a fé na sobrevivência das almas dos mortos.
Existe a ordália da água, do fogo, do veneno, da víbora peçonhenta etc., e essa prova deve forçosamente estar ligada a um dom mediúnico.
No Antigo Testamento nós lemos que os três companheiros do profeta Daniel – Ananias, Mizael e Azarias –, não querendo adorar ao ídolo mandado construir por Nabucodonosor, em Babilônia, foram lançados num forno ardente, mas saíram ilesos, nada lhes acontecendo. Eles, por efeito do seu dom de maravilhas, auxiliados pelo Espírito, eram invulneráveis ao fogo.
No Novo Testamento, quando Jesus enviou seus Discípulos a predicarem, lhes autorizou a pisarem as serpentes e escorpiões, afirmando-lhes que de modo algum nada lhes faria mal. Essa prova se encontra nos “Atos”: São Paulo, mordido por uma serpe, não foi atingido pelo veneno.
Existem, de fato, até hoje pessoas invulneráveis ao fogo, que andam sobre as brasas de uma fogueira de S. João ou de S. Antônio sem se queimarem, sem experimentar dor e sem sofrerem lesão nos pés. A Mitologia Moderna (1897), transcreve testemunhos de fatos ocorridos noutro tempo, na Índia, na Bulgária, na Trin-dade e em muitos outros lugares, de indivíduos que se submeteram à prova do fogo, saindo vencedores. O testemunho dos viajantes, dos missionários, dos oficiais e outros, apoiado por fotografias do fato, parece merecer valor.
O juízo de Deus era muito falseado pelos povos antigos, e para o paciente se livrar de uma condenação que lhe era imposta tinha de passar por uma certa prova (ordália). Infeliz dele se não era possuidor de um dom mediúnico, que auxiliasse o seu Espírito guia a livrá-lo da condenação.
Lombroso diz, em seu livro “Il Fenomeni Ipnotici e Spiritici”, que a começar pela África, vê-se a prova de fogo mantida em Serra-Leão, entre os Joloffes e os Waswahelis. O acusado, para provar sua inocência, devia manter entre as mãos por algum tempo um ferro em brasa, e deveria fazê-lo passar três vezes pela língua de um sacerdote, sem se molestar e ao mesmo.
Esta mediunidade, que por não acharmos melhor expressão, denominaremos de fogo, era muito comum antigamente. Havia médiuns com dons tão poderosos que, com sua presença, se produzia o fogo.
No Antigo Testamento vemos a história de Elias, que “fez descer fogo do céu”, que consumiu o holocausto, cujo incêndio demonstraria ser o referido profeta o mensageiro de Deus que deveria ser ouvido por Acab e o povo de Israel, em contraposição aos profetas de Baal.
No Novo Testamento existe uma passagem muito ligada ao assunto que estamos estudando. De passagem por Samaria, Jesus e seus Discípulos, os samaritanos não os quiseram receber. Um dos discípulos disse a Jesus: Senhor, queres que mandemos vir fogo do céu para os devorar a todos? Ao que o Senhor respondeu: “Vós não sabeis a que Espírito pertenceis”, dando assim a entender que eles não tinham o mesmo dom de Elias, sendo-lhes impossível aquele prodígio.
Revendo agora a história do Moderno Espiritualismo, mais propriamente dito o Espiritismo, nós encontramos esse dom em vários médiuns, dentre os quais mais se salienta o sr. Douglas Home. Em estado de transe, este médium era invulnerável ao fogo. Lord Crawford afirma ter assistido oito manifestações de Home em que este demonstrou a sua invulnerabilidade pelo fogo.
Referindo-se a uma sessão com o médium Home, assim escreveu Sir William Crookes:
“A rogo de Home, eu fui com ele, durante o transe, a um aquecedor do salão posterior. Ele (o “guia” de Home) me disse: “Queremos que observe com atenção o que faz Home”. Eu me coloquei muito perto do fogo e me inclinei quando ele meteu a mão no fogo e sacudiu duas ou três vezes os carvões acesos, levou-os à cabeça e demorou-se com eles como se fosse uma almofadinha, depois os colocou outra vez no fogão. Repetiu novamente a operação e disse: “Como o poder não é grande, se deixarmos mais tempo, queimará”.
O sr. W. Huggins, ex-presidente da Sociedade Real Inglesa, também afirma ter visto o mesmo fato com Home numa sessão, e o sr. S. C. Hiel disse que certa vez Home colocou na cabeça um carvão aceso, em brasa, sem que este chamuscasse sequer um só pelo.
O sr. Wilkinson disse que numa sessão que assistiu em 1869 com Home, deu-se o seguinte fato: “Home tirou do fogão uma brasa viva ardente, que ele havia sentido o calor ao aproximar-se dela, percorreu todo o salão com a brasa na mão e depois ofereceu-a ao Conde de Dunraven, dizendo: Quer você experimentar ficar com esta brasa? Nenhum mal lhe fará”. O Conde tomou a brasa por meio minuto, devolvendo-a depois a Home, sem se queimar. O sr. Wilkinson examinou depois, novamente, a brasa e estava quente.
Eis aí uma das ordálias de Home, ou seja, uma das provas da sua mediunidade e da sua tarefa missionária, que tão bem soube desempenhar.
Como se vê, o Espiritismo veio abrir um grande campo aos estudos científicos e orientar os homens para o Bem e para a Luz.
O que ontem parecia um milagre ou se achava cerceado pelo sobrenatural, hoje é demonstrado como um fato genuinamente espírita, que desvenda aos nossos olhares os horizontes da Imortalidade.
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