sexta-feira, 17 de junho de 2011

Deus pode

Fausto Fabiano da Silva

faustofabianodasilva@yahoo.com.br



No livro “O que é o Espiritismo?” de Kardec, capítulo primeiro, O Maravilhoso e o Sobrenatural, encontramos que o sobrenatural é “tudo o que está fora das leis da Natureza”, ou seja, com existência independente dela. A ideia que a realidade ou os fenômenos são regidos muitas vezes pelo sobrenatural é excluída da compreensão espírita de mundo, como fica evidente neste trecho, do mesmo livro e capítulo já mencionados: “O sobrenatural desaparece à luz do facho da Ciência, da Filosofia e da Razão...”. Do mesmo modo, deparamos com pensamento semelhante em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:

Para o vulgo ignorante, todo fenômeno cuja causa é desconhecida passa por sobrenatural, maravilhoso e miraculoso; uma vez encontrada a causa, reconhece-se que o fenômeno, por muito extraordinário que pareça, mais não é do que aplicação de uma lei da Natureza. Assim, o círculo dos fatos sobrenaturais se restringe à medida que o da Ciência se alarga.

Como se vê, a ideia do sobrenatural é tida como fruto da ignorância das reais causas dos fenômenos (sempre naturais) ou também como uma fase a ser superada pelo avanço do conhecimento humano.

É tentador encontrar a causa desta opção pelo natural, no espírito científico do século dezenove, como se a Doutrina Espírita fosse toda determinada por uma época. Se o Espiritismo fosse totalmente histórico, teríamos que concordar que, se Kardec fosse mulçumano, teríamos apenas um Islamismo Segundo o Espiritismo e não “O Evangelho Segundo o Espiritismo”; se Kardec nascesse na Índia, talvez Jesus não fosse: “o mais perfeito modelo” e sim outro. O que mostra o absurdo que é entender a Doutrina Espírita apenas pelo viés histórico/materialista.

Entretanto, não podemos negar que o Espiritismo e o próprio Kardec receberam influência da mentalidade histórica do seu século, porém, certos princípios da Doutrina Espírita dizem respeito a verdades eternas, não históricas, como a Lei do Progresso, os princípios morais, a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicação mediúnica, a existência de Deus e por fim, a noção que a realidade é regida por leis naturais e não por fatores sobrenaturais.

Podemos dizer, para sermos justos, que o século XIX ajudou, com sua mentalidade científica, na aceitação “de um mundo natural”, mas este princípio é próprio das verdades imutáveis do Criador, que o Espiritismo vem revelar para aqueles que têm ouvidos para ouvir e olhos para ver.

Esta exclusão do sobrenatural tem outra consequência importante: criar uma concepção de Deus diferente do tradicional “Deus do Impossível”, largamente utilizada nas religiões evangélicas. Aparentemente, o Deus espírita estaria em desvantagem agindo apenas sobre as leis da natureza, mas esta desvantagem é apenas ilusória, pois é muita pretensão acreditar conhecer todas as leis do universo. Sobre isto, é revelador o pensamento encontrado em “O Livro dos Médiuns”: “Conheceis, porventura, tão bem essas leis, que possais marcar limite ao poder de Deus?” . É significativo também o trecho encontrado no livro “A Gênese” de Kardec:

Deus não se torna menos digno da nossa admiração, do nosso reconhecimento, do nosso respeito, por não haver derrogado suas leis, grandiosas, sobretudo, pela imutabilidade que as caracteriza. Não se faz mister o sobrenatural, para que se preste a Deus o culto que lhe é devido .

A ideia da não derrogação das leis de Deus se dá através de um raciocínio simples encontrado outra vez no livro “A Gênese” de Allan Kardec: “Deus não faz milagres, porque, sendo, como são, perfeitas as suas leis, não lhe é necessário derrogá-las” , ou seja, Deus sendo perfeito, Suas leis também são, logo, Ele agiria apenas de forma natural, mas isto como já vimos, não O diminui. Entretanto, como um dos atributos de Deus é de ser: “absolutamente poderoso” , “Ser absoluto!” , ou ainda, Onipotente , Deus não pode estar sujeito a nada, inclusive às Suas próprias leis, já que seu poder é sem limites, sem restrições, caso contrário, não seria Deus. Por isto, Allan Kardec, sabiamente, deu a entender várias vezes que, embora Deus agisse não de maneira sobrenatural, isto não Lhe tiraria o poder de fazê-lo se essa fosse Sua vontade, como fica evidente nesta frase:

Na acepção teológica, os prodígios e os milagres são fenômenos excepcionais, fora das leis da Natureza. Sendo estas, exclusivamente, obra de Deus, pode ele, sem dúvida, derrogá-las, se lhe apraz . (grifos meus)

Também no livro A Gênese, outra vez uma afirmação com o mesmo teor:

Mesmo, porém, que semelhante derrogação seja possível, ter-se-á, pelo menos, de reconhecer que só ele, Deus, dispõe desse poder. (grifos meus)

E por fim na Revista Espírita de janeiro de 1862, no item “O Sobrenatural”, outra vez o mesmo tipo de pensamento:

Mas, ainda uma vez, não contestamos a Deus o poder de derrogar suas leis.

Concluímos então, que o caráter absoluto de Deus continua preservado na Doutrina Espírita, e não há nenhuma contestação ao Seu poder; o que existe, é um entendimento sobre Seu agir, entendimento este, que é importante lembrar, relativo e limitado à nossa capacidade humana de compreendê-Lo.

Um comentário:

www.claudio da silva disse...

Gostei.
O autor muito feliz na sua explicação .