sexta-feira, 13 de março de 2009

Matéria da Revista Espirita de 1858

Esta foi umas das tiragens da revista espirita de 1850 Allan Kardec em atividade total.

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O Tambor de Beresina

ALLAN KARDEC

Algumas pessoas se achavam reunidas em nossa casa a fim de verificar certas manifestações e, em diversas sessões, produziram-se os fatos seguintes, que ocasionaram a conversação que vamos relatar, de alto interesse como objeto de estudo.

O Espírito manifestava-se por pancadas batidas, não com o pé da mesa, mas no tecido mesmo da madeira. A troca de pensamentos que se deu entre os assistentes e o ser invisível não permite dúvida sobre a intervenção de uma inteligência oculta. Além das respostas dadas a diversas perguntas, por um sim e por um não, ou por meio da tiptologia alfabética, as pancadas batiam à vontade qualquer marcha, o ritmo de uma ária, imitavam o tiroteio e o troar dos canhões numa batalha, o barulho de um tonoleiro, de um sapateiro, faziam o eco com admirável precisão, etc. Depois se deu o movimento de uma mesa e sua translação sem contacto algum de mãos, com os assistentes afastados. Havendo-se posto uma saladeira em cima da mesa, em vez de girar, ela se pós a deslizar em linha reta, igualmente sem contacto das mãos. As pancadas faziam-se ouvir igualmente em todos os móveis da sala, algumas vezes simultâneamente doutras vezes como se respondessem umas às outras.

O Espírito parecia ter uma predileção marcada pelos rufos de tambor, porque a cada momento os repetia sem que se lhe pedisse; muitas vezes, a certas perguntas, em lugar de responder, ele batia "atenção" ou "reunir". Interrogado sobre diversas particularidades de sua vida, ele disse que se chamava Celima, ter nascido em Paris, morto aos quarenta e cinco anos e haver sido tambor.

Entre os assistentes, além do médium especial de influências físicas que servia às manifestações, havia um excelente médium escrevente que pôde servir de intérprete ao Espírito, o que nos permitiu obter respostas mais explícitas. Havendo confirmado pela psicografia o que havia dito por tiptologia sobre seu nome, lugar de seu nascimento e época de sua morte, dirigimos-lhe a série de perguntas seguintes, cujas respostas mostram diversos traços característicos que corroboram certas partes essenciais da teoria.

1. Escreve-nos alguma coisa, o que quiseres., -R. Ran plan plan, ran plan plan.

2. Porque escreves isso? -R. Eu era tambor.

3. Havias recebido alguma instrução? -R. Sim.

4. Onde fizeste teus estudos? - R. Nos Ignoratins.

5. Tu nos pareces ser jovial. -R. Eu o sou muito.

6. Uma vez nos disseste que em vida gostavas um pouco demais de beber; isso é verdade? -R. Eu gostava de tudo que era bom.

7. E eras militar? -R. Pois não, porque eu era tambor.

8. Sob que governo serviste - R. Sob Napoleão, o Grande.

9. Podes citar-nos alguma das batalhas a que assististe? -R., A de Beresina.

10. Foste morto lá? -R. Não.

11. Estiveste em Moscou? -R. Não.

12. Onde morreste? -R. Nas neves.

13. Em que corpo servias? -R.. No de Funileiros da Guarda.

14. Gostavas muito de Napoleão, o Grande? -R. Como todos o amávamos, sem saber porquê.

15. Sabes o que foi feito dele depois que morreu? - R. Não me ocupei de mais nada senão de mim mesmo depois de minha morte.

16. Estás reencarnado? - R. Não, pois que venho conversar convosco.

17. Porque te manifestas por meio de pancadas, sem haveres sido chamado? - R. E' preciso fazer barulho para aqueles cujo coração não crê. Se não tiverdes bastante crença, eu vos darei mais.

18.Foi por tua própria vontade que vieste bater, ou foi algum outro Espírito que te forçou a fazê-lo? - R. E' pela minha vontade que eu venho; há aí um a quem chamais Verdade que também me poderia forçar; mas há muito tempo que eu queria vir.

19. Para que fim querias vir? -R. Para me entreter convosco; é isso que eu queria; mas havia alguma coisa que me impedia. Eu fui forçado a isso por um Espírito familiar da casa que me determinou que eu me tornasse útil às pessoas que me perguntassem, dando-lhes respostas. -Esse Espírito então tem muito poder, pois que ele comanda outros Espíritos - R. Mais do que credes, e ele não o emprega senão para o bem.

OBSERVAÇÃO
O Espírito familiar da casa faz-se conhecer pelo nome alegórico de a Verdade, circunstância ignorada pelo médium.

20. Que to impedia? -R. Não sei; uma coisa que eu não compreendia.

21. Lamentas ter perdido a vida?- R. Não, não lamento coisa alguma.

22. Qual das duas preferes, tua existência atual ou tua existência terrestre? -R. Prefiro a existência dos Espíritos à existência do corpo.

23. Porque isso? -R. Porque se está bem melhor do que sobre a Terra; a Terra é o purgatório; todo o tempo que eu aí vivi, desejava sempre a morte.

24. Sofres em tua nova situação? - R. Não; mas não sou ainda feliz.

25. Ficarias satisfeito de teres uma nova existência corporal? -R. Sim, porque sei que devo subir.

26. Quem to disse? - R. Eu bem o sinto.

27 . Estarás brevemente reencarnado? -R . Não sei.

28. Vês outros Espíritos em volta de ti?- R. Sim, muitos.

29. Como sabes que são Espíritos?- R. Entre nós, vemo-nos tais quais somos.

30. Sob que aparência os vês?- R. Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.

31. E tu, sob que forma estás aqui? -R. Sob a que eu tinha quando vivo: isto é, como tambor.

32. E os outros Espíritos, tu os vês sob a forma que eles tinham em vida? -R. Não, só tomamos uma aparência quando somos evocados; noutros casos vemo-nos sem forma.

33. Tu nos vês tão nitidamente como se estivesses vivo? -R. Sim, perfeitamente.

34. E' pelos olhos que tu nós vês? - R. Não; temos uma forma, mas não temos sentidos; nossa forma, é somente uma aparência.

OBSERVAÇÃO
Seguramente os Espíritos têm sensações, pois que percebem, de outro modo seriam inertes; mas suas sensações não estão localizadas como quando eles têm corpo: são inerentes a todo o seu ser.

35. Dize-nos positivamente em que lugar estás aqui? - R. Estou perto da mesa, entre vós e o médium

36. Quando bates, estás debaixo da mesa, ou em cima, ou na espessura da madeira? -R. Estou ao lado; não me meto dentro da madeira: basta que eu toque a mesa.

37. Como produzes os ruídos que fazes ouvir? -R. Creio que é por uma espécie de concentração de nossa força.

38. Poderias explicar-nos a maneira pela qual se produzem os diferentes ruídos que imitas, as arranhadelas, por exemplo? -R. Eu não saberia precisar bem a natureza dos ruídos; é difícil explicar. Sei que arranho, mas não posso explicar como se produz o ruído a que chamais arranhadela.

39. Poderias produzir os mesmos ruídos com todo e qualquer médium? -R. Não, há especialidades em todos os médiuns: nem todos podem agir do mesmo modo.

40. Vês entre nós algum outro, além do jovem S. . . (o médium de influência física pelo qual o Espírito se manifesta), que te pudesse ajudar a produzir os mesmos efeitos? - R. Não vejo nenhum no momento; com ele estou muito disposto a agir.

41. Porque com ele antes que com algum outro? - R. Porque o conheço mais e além disso ele é mais apto de que outros a esse gênero de manifestações.

42. Já o conhecias de muito tempo antes da sua existência atual? -R. Não; conheço-o apenas há pouco tempo; fui de algum modo atraído para ele a fim de torna-lo meu instrumento.

43. Quando a mesa se eleva no ar sem ponto de apoio, que a sustenta? -R. Nossa vontade que lhe ordena obedecer, e também o fluido que lhe transmitimos .

OBSERVAÇÃO
Esta resposta vem em apoio da teoria que demos e que relatávamos nos números 5 e 6 desta Revista, sobre a causa das manifestações físicas.

44. Poderias fazê-lo? -R. Penso que sim; tentarei quando o médium vier. (Nesse momento ele se achava ausente).

45. De quem depende isso? -R. Depende de mim, porque eu me sirvo do médium como instrumento.

46. Mas a qualidade do instrumento não tem importância alguma? -R. Sim, ele me ajuda muito, pois eu disse que não poderia fazê-lo com outros hoje.

OBSERVAÇÃO
No correr da sessão tentou-se fazer levantar á mesa, mas não se conseguiu, provavelmente por não se ter empregado bastante perseverança; houve esforços evidentes e movimentos de translação sem contacto nem imposição das mãos. No número das experiências que foram feitas, houve a de abrirem a mesa na junção das tábuas, no local em que se metem outras tábuas para alongar a mesa elástica; como a mesa era de má construção e oferecia multa resistência, os assistentes puxavam numa extremidade, enquanto o Espírito puxava na outra e fazia abrir a mesa.

47. Porque, outro dia, os movimentos da mesa paravam cada vez que um de nós tomava a luz para olhar debaixo da mesa? - R. Porque eu queria punir vossa curiosidade.

48. De que te ocupas em tua existência de Espírito, pois que, de certo, não passas todo o tempo a bater? -R. Tenho muitas vezes missões a cumprir; temos que obedecer a ordens superiores, sobretudo quando temos que fazer o bem pela nossa influência sobre os humanos.

49. Tua vida terrestre não foi sem dúvida Isenta de faltas; agora as reconheces? -R. Sim, eu as expio justamente por ficar estacionário entre os Espíritos inferiores; não me poderei' purificar mais senão quando eu tomar outro corpo:

50. Quando fazias ouvir pancadas em outro móvel ao mesmo tempo que na mesa, eras tu mesmo

que as produzias ou algum outro Espírito?- R.Era .eu.

51. Então estás só? -R. Não, mas eu cumpria sozinho a missão de bater.'

52. Os outros Espíritos que estavam aí ajudavam-te em alguma coisa? -R. Não para bater, mas para falar.

53. Então não eram Espíritos batedores? ‑ R. Não, só a mim a Verdade havia permitido bater.

54. Os Espíritos batedores não se reúnem algumas vezes, a fim de terem mais força para produzirem certos fenômenos? -R. Sim, mas para o que eu queria fazer, eu o podia fazer sozinho.

55. Em tua existência espírita, tens estado sempre sobre a Terra? -R. Mais freqüentemente no espaço.

56. Vais algumas vezes a outros mundos, isto é, a outros globos? -R. Não a mais perfeitos, mas a mundos inferiores.

57. Divertes-te algumas vezes vendo e ouvindo o que fazem os homens? -R. Não; contudo, algumas vezes tenho piedade deles.

58. A quem te diriges de preferência? - R. Aos que querem crer de boa fé.

59. Poderias ler em nossos pensamentos? - R. Não, não leio nas almas; não sou bastante perfeito para isso.

60. No entanto, deves conhecer nossos pensamentos, porque vens ter conosco; de outro modo, como poderias saber se nós cremos de boa fé? - R. Não leio, mas ouço.

OBSERVAÇÃO
A questão 58 tinha por finalidade perguntar quais são as pessoas que ele procura de preferência, espontâneamente, em sua vida de Espírito, sem ser evocado: pela evocação ele pode, como Espírito de ordem pouco elevada, ser constrangido a ir mesmo a um meio que ele deplore. Por outro lado, sem ler em nossos pensamentos, ele podia certamente ver que as pessoas estavam reunidas com um fim sério, e, pela natureza das questões e das conversações que ele ouvia, podia julgar que a assembléia era composta de pessoas sinceramente desejosas de se esclarecerem.

61. Reencontraste no mundo dos Espíritos alguns dos teus antigos camaradas de Exército ? - R. Sim, mas as posições deles eram tão diferentes que não os reconheci a todos.

62. Em que consistia essa diferença? - R. Na ordem feliz ou infeliz de cada um.

63. Que dissestes uns aos outros ao vos reencontrardes? - R. Eu lhes dizia: Nós vamos subindo para Deus que no-lo permite.

64. Como entendias tu subir para Deus? - R. Um degrau a mais que se transpõe, é um degrau mais, rumo a Deus.

65. Disseste-nos que morreste nas neves, por conseguinte morreste de frio? -R. De frio e de privações.

66. Tiveste imediatamente consciência de tua nova existência? - R. Não, mas não sentia tanto frio.

67. Tens Voltado ao lugar onde deixaste o corpo? -R. Não, ele me havia feito sofrer demais.

68. Agradecemos-te as explicações que houveste por bem dar-nos; elas nos forneceram úteis assuntos de observação para nos aperfeiçoarmos na ciência espírita. - R. Inteiramente vosso.

OBSERVAÇÃO
Este Espírito, com se vê, é pouco adiantado na hierarquia espírita: ele próprio reconhece sua inferioridade. Seus conhecimentos são limitados; mas há nele bom senso, sentimentos honrosos e benevolência. Sua missão, como Espírito, é bastante ínfima, pois que ele faz o papel de Espírito batedor para chamar os incrédulos à fé; mas, mesmo no teatro, o humilde costume de comparsa não pode cobrir um coração honesto? Suas respostas têm a simplicidade da: ignorância; mas, por não terem a elevação da linguagem filosófica dos Espíritos superiores, elas não são menos instrutivas como estudo dos costumes espíritas, se assim nos podemos expressar. Só pelo estudo de todas as classes desse mundo que nos espera, pode chegar-se a conhecê-lo e nele marcar de algum modo por antecipação o lugar que cada um de nós pode lá ocupar. Vendo a situação que os homens que foram nossos iguais aqui em baixo criaram para eles, pelos seus vícios e suas virtudes, anima-nos por nos elevar o mais possível, desde aqui: é o exemplo ao lado do preceito. Nunca será demais repetir que, para conhecer uma coisa e dela fazer-se uma idéia isenta de ilusões, é preciso vê-Ia em todas as suas faces, do mesmo modo que o botânico não pode conhecer o reino vegetal senão observando desde o mais humilde criptógamo escondido sob o musgo até o carvalho que se eleva nos ares.

(Revue Spérìte, julho de 1858)
Fonte: Reformador nº12 – Dezembro/1950
Responsável pela transcrição: Wadi Ibrahim

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