Pedro Valiati
pvaliati@gmail.com
Talvez a palavra “verdade” seja a mais pronunciada nos evangelhos. Temos alguns significados sobre a “verdade”. O mais comum a nós espíritas trata sobre a luz do conhecimento trazido pela Doutrina Espírita; as verdades nela contidas seriam as verdades universais, a lei de Deus em si. Citando o versículo: João 8:32 – “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” –, é bastante comum notarmos a conexão estabelecida, pelos adeptos da nossa seara, entre a Doutrina Espírita e a “verdade” citada por João. De fato não há como negar tal associação; entretanto o simples conhecimento das verdades espíritas não levam o homem à libertação dos vícios, haja vista as dificuldades morais persistentes no movimento espírita e, consequentemente, nos respectivos seguidores, a citar: vaidade, orgulho, melindre etc. Existe, portanto, um novo e intrigante sentido para a “verdade” proferida nos evangelhos e na codificação.
De forma bastante simples, lembremos o que a psicanálise nos traz. Segundo as ciências da alma, o homem possui dentro de si diversos “mecanismos psíquicos”, reguladores e permissivos, a moldarem as características do homem para com a sociedade e consigo mesmo. Tais mecanismos criam, por assim dizer, diversas dimensões do indivíduo composto no mesmo ser. A autora espiritual e querida irmã Ermance Dufaux, da qual as obras “Mereça Ser Feliz” e “Prazer de Viver” me inspiraram na escrita do presente artigo, nos traz em seus livros conceitos bem parecidos, onde caracteriza o indivíduo de forma muito próxima à psicanálise, criando duas personalidades bem distintas, numa dicotomia interessante a habitar a mesma individualidade. Denominemo-los de indivíduos A e B:
Indivíduo A – É a personalidade à qual o indivíduo acredita ter, sobrepondo-se adjetivos irreais e supervalorizando as respectivas qualidades em função da ação do orgulho. Essa é a personalidade mais “vivida” fora do ambiente doméstico, perante aqueles os quais podem prestigiar a tal farsa moral. Usamos tal “máscara” de forma até natural, devido ao hábito do disfarce psicológico, a mania das aparências. Levamos o indivíduo fantasioso para o trabalho, para os ambientes sociais e, principalmente, ao centro espírita, lugar dileto a demonstrar tais “virtudes fantasiosas”. Perante os companheiros espíritas, nos enquadramos, mesmo que sutilmente, dentro de regras mil, a demonstrar virtudes ainda não conquistadas. Não percebemos, mas tal atitude generalizada a vigorar em certas almas inseguras leva a uma “consciência fantasiosa coletiva”, um corolário do conhecido provérbio “a união faz a força”, só que nesse caso, faz a forca. Pois o coletivo de personalidades fantasiosas, qualificando-se melhores do que realmente são dentro do centro espírita, representa o PURITANISMO. Não é necessário comentar os males que o puritanismo, a prática da pureza ainda não conquistada, fizeram e ainda fazem no seio da nossa seara. Viver o que não se é tem um custo, e bastante caro. Quanto mais usamos esta “máscara”, mais acreditamos ser esta a nossa verdadeira “face” e, por conseguinte, mais difícil será desfazer-se dela.
Já sabemos que o indivíduo A representa-se por qualidades virtuais dentro de uma personalidade exterior e irreal. Se o ser a “viver” o indivíduo A é espírita, então este até admite alguns vícios apenas para não parecer orgulhoso; no entanto escorrega no próprio orgulho pela necessidade de justificar-se. Malversa, em absoluto favor próprio, o “atire a primeira pedra”, João 8:7.
Indivíduo B – Representa a personalidade real do indivíduo, a medida certa das respectivas qualidades e defeitos, costuma ter uma forma bem mais feia em comparação ao indivíduo A; eis por que costumamos ignorá-lo. O indivíduo B representa almas em débito, estropiados morais (segundo Joanna de Ângelis) que somos e habitantes de um planeta de provas e expiações. Repleto de dificuldades as quais preferimos fingir e fugir, não vivenciar, afinal o A esta “bem ao lado”. O indivíduo B representa as nossas características verdadeiras; pode ser moralmente “feio”, mas é real, interior. Olhar-se com as respectivas dificuldades é aceitar-se, é estar em sintonia com o segundo mandamento trazido pelo Cristo: Amar a si mesmo. Reconhecer os próprios erros e dimensionar corretamente as respectivas qualidades é viver o real e não o exterior, é passar pela vida explorando a realidade e não a fantasia, é viver em verdadeira plenitude.
Naturalmente a mudança de personalidade vivida não é rápida nem fácil. Tal transição tem como força motriz a angústia inexplicável do cotidiano. Quando a “voz” da angústia não é interiormente ouvida, gradualmente transforma-se. Tentamos de forma desesperada subterfúgios, “válvulas de escape”, desejando sanar tal sentimento angustiante de reprimenda da alma. Como mecanismo de fuga, criamos mil artifícios: afogamo-nos em trabalho ou em alcoólicos, passamos horas em academias de ginástica, assistindo novelas, dedicando-se à literatura e damos vazão excessiva à questão da sexualidade. Tudo ao nosso alcance, no entanto, sem resultado. Iniciamos o processo de “entristecimento do espírito”, depois passamos para as mais diversas causas depressivas, sob a égide da obsessão, e “sem explicação” na maioria dos casos, mesmo realizando as atividades às quais mais nos comprazemos, a vida perde o sentido, a alma continua triste. É hora de entendermos as solicitações da nossa alma. Ah! Mas se analisarmos tal angústia, esta amiga invisível, começamos a, timidamente, observar a personalidade esquecida ao lado, aceitar-lhe e igualmente amar-lhe. Nesse momento as imagens da personalidade A e B começam a sobrepor-se, a montanha existente entre estes começa a mover-se sob os toques da insistência, da fé. A passagem da montanha e a fé, em Mateus 17:20, passa a ganhar um novo sentido. Interessante como um livro escrito há tanto tempo pode mudar a letra de acordo com as nossas necessidades.
No entanto o “milagre” da transformação moral da “água para o vinho” não traz apenas o bem-estar consigo próprio; esta nos desvenda o segredo do “setenta vezes sete”. Sair paulatinamente do mundo fantasioso moral até a realidade pouco carismática mexe com as entranhas da prática da aceitação íntima; passamos a ser indulgentes para conosco, aceitando e perdoando as nossas próprias faltas, simplesmente por entendermos que não podemos “brigar” eternamente com as nossas mazelas; é necessário tratá-las. Então passamos a movimentar os nossos mecanismos morais. No entanto a indulgência e o perdão, virtudes geradoras da tolerância tão ausente do nosso cotidiano, passam a ser praticadas internamente em nós e para nós. Enquanto a prática do perdão interno se processa o externo já começa a “aquecer-se”, como que se preparando para ser colocado em prática. Quando nos perdoamos as atitudes orgulhosas, já estamos mais aptos a perdoar as manifestações orgulhosas do próximo que nos ofende. Ao nos depararmos com a vaidade, o egoísmo, a insensibilidade interior, já nos gabaritamos a entender e auxiliar o próximo aturdido em tais mazelas, pois já vimos este filme em nós mesmos; para verdadeiramente amar ao próximo é necessário amar a si mesmo. É o Cristo nos surpreendendo novamente em seus ensinamentos de poucas palavras e grande sentido moral.
A partir do entendimento desses conceitos, outros ganham cores. A passagem de João 8:32 – “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” –, citada no primeiro parágrafo, nos demonstra a necessidade de viver os ensinamentos da nossa doutrina através do conhecimento da verdade interior, a verdade do que realmente somos, da personalidade B: a mais pura representação do “conhece-te a ti mesmo” indispensável para a reforma íntima. Poderemos, agora, entender o novo sentido da “Verdade”, onde esta assume o caráter de conhecimento de si mesmo. Claramente exposto em Timóteo 4:4 – “E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.” Temos, na mesma passagem, as personalidades A e B citadas.
O grande desafio é movimentar energias para a fuga da personalidade A e respectivo conhecimento da B. Tal empreitada moral somente é possível através da auscultação das nossas intenções e sentimentos; por vezes as melhores intenções se disfarçam em sentimentos escusos. Analisar a motivação das nossas ações é compreender as causas das nossas mazelas. Entender, por exemplo, que a predisposição à ofensa com certas pessoas ou a reprovação sistemática das ideias do próximo podem estar conectados ao melindre ou inveja. A reflexão diária nos será guia nessa longa jornada para amar-nos e vivermos num mundo real, não virtual, fantasioso e exterior; afinal o “reino dos céus não vem com aparência exterior” – Lucas 17:20.
Um comentário:
Boa noite, Senhor pedro Valiati, seus escritos de fácil compreenção. Entretanto a fonte da letra dificulta a leitura. Porque tem que ser assim? Divulgar oque, com minúscula letra? O outro ponto a ser levado em consideração, são jogos de palavras sem a precisão do verdadeiro objetivo. Não estou lendo por acaso, é a necessidade de melhor compreender, sobre as diferenças condutas. Por outro lado, busco a claresa sobre a reencarnação. Estou investigando melhor sobre vidas passadas. tentando entender oque querem dizer os meus sonhos! Ontem, 28/09/2011, postei matéria com o título: Já existe explicação científica para sonhos? Para acessar o meu Blog, escreve-se no endereço: Blog de Reinaldo Lima
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