quinta-feira, 2 de julho de 2009

Ler Matéria - Revista RIE

O modo recíproco de ação dos espíritos encarnados e desencarnados Allan Kardec1

Antes de esperar domar os maus Espíritos, é preciso domar a si mesmo.

“Tal é a influência dos Espíritos que, de ordinário, são eles que vos dirigem” - O Livro dos Espíritos, q. 459.

Sabemos que os Espíritos estão revestidos de um envoltório vaporoso, formando neles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, cujos elementos são hauridos no fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas. Quando o Espírito se une ao corpo, nele existe com seu perispírito, que serve de laço entre o Espírito propriamente dito e a matéria corpórea; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas esse perispírito não está confinado no corpo como dentro de uma caixa; pela sua natureza fluídica, irradia ao redor e forma, em torno do corpo, uma espécie de atmosfera, com o vapor que dele se libera. Mas o vapor que se libera de um corpo malsão é igualmente malsão, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas malsãs. Do mesmo modo que esse vapor está impregnado das qualidades do corpo, o perispírito está impregnado das qualidades, quer dizer, do pensamento do Espírito, e faz irradiar essas qualidades em torno do corpo.
Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por esse intermediário que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que são a expressão de sua vontade; é também por esse intermediário que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. No corpo sólido destruído pela morte, o Espírito não age mais e não o percebe senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, porque nele age mais facilmente e o percebe melhor, sendo-lhe o corpo um entrave. Tudo isto é ainda um resultado da observação.
Suponhamos agora duas pessoas perto uma da outra, envolvida cada uma de sua atmosfera perispiritual – que se nos permita ainda este neologismo. – Esses dois fluidos vão se pôr em contato, penetrar um no outro; se são de natureza antipática, se repelirão, e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar com a aproximação um do outro, sem disso se darem conta; sendo ao contrário movidos por um sentimento bom e benevolente, levarão consigo um pensamento benevolente que atrai. Tal é a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem.
Um certo não sei o quê diz frequentemente que a pessoa que se tem diante de si deve estar animada de tal ou tal sentimento; ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. Compreende-se, desde então, que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é bem mais livre do que no estado de encarnação, não têm mais necessidade de sons articulados para se entenderem.
O fluido perispiritual do encarnado, portanto, é posto em ação pelo Espírito; se, pela sua vontade, o Espírito irradia, por assim dizer, seus raios sobre um outro indivíduo, esses raios o penetram; daí a ação magnética mais ou menos possante segundo a vontade, mais ou menos benfazeja segundo esses raios sejam de uma natureza mais ou menos boa, mais ou menos vivificante; porque, pela sua ação, podem penetrar os órgãos, e, em certos casos, restabelecer o estado normal. Sabe-se qual é a influência das qualidades morais no magnetizador.
(...) Dá-se conta facilmente assim da natureza das impressões que se recebe segundo os meios onde se encontra. Se uma assembleia é composta de pessoa animadas de maus sentimentos, elas encherão o ar ambiente do fluido impregnado de seus pensamentos; daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas exalações mefíticas: a alma é asfixiada. Quem tem intenções puras, acha-se em sua atmosfera como num ar vivificante e salutar. O efeito será naturalmente o mesmo num meio cheio de Espíritos segundo sejam bons ou maus. Estando isto bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os Espíritos encarnados, e daí à explicação da mediunidade.
Um Espírito quer agir sobre um indivíduo; aproxima-se dele e o envolve, por assim dizer de seu perispírito, como um casaco; os fluidos se penetrando, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem, e o Espírito pode, então, se servir desse corpo como do seu próprio, fazê-lo agir segundo a sua vontade, falar, escrever, desenhar etc; tais são os médiuns. Se o Espírito é bom, sua ação é branda, benfazeja, que não leva a fazer senão boas coisas; se ele é mau, leva a fazer coisas más; se é perverso, o aperta como numa rede, paralisa até sua vontade, mesmo seu julgamento que ele abafa sob seu fluido como se abafa o fogo sob uma camada de ar; fá-lo pensar, falar, agir por si, leva-o a atos extravagantes ou ridículos; em uma palavra, magnetiza-o, cataleptiza-o moralmente, e o indivíduo se torna um instrumento cego de suas vontades. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se mostram em graus de diversas intensidades.
(...) A ação dos Espíritos maus produz uma multidão de perturbações na economia moral e mesmo física que, por ignorância da causa verdadeira, se atribuíam a causas errôneas. Os maus Espíritos são os inimigos invisíveis, tanto mais perigosos quanto não se supunha sua ação. O Espiritismo, pondo-os a descoberto, vem revelar uma nova causa a certos males da Humanidade; conhecida a causa, não se procurará mais combater o mal por meios que, doravante, se sabe inúteis, procurar-se-ão os mais eficazes.
Ora, o que foi que fez descobrir essa causa? A mediunidade; foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença; ela fez para eles o que o microscópio fez para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo.
COMO NEUTRALIZAR A INFLUÊNCIA DOS MAUS ESPÍRITOS ?
Trata-se de lutar contra um adversário; ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, é o que tem músculos mais fortes que derruba o outro. Com um Espírito é preciso lutar, não corpo a corpo, mas Espírito a Espírito, e é ainda o mais forte que o domina; aqui a força está na autoridade que se pode tomar sobre o Espírito, e esta autoridade está subordinada à superioridade moral. A superioridade moral é como o Sol, que dissipa o nevoeiro pelo poder de seus raios. Esforçar-se por ser bom, tornar-se melhor se já se é bom, purificar-se de suas imperfeições, em poucas palavras, elevar-se moralmente o mais possível, tal é o meio de adquirir o poder de dominar os Espíritos inferiores para afastá-los. (O Livro dos Médiuns, nº 252 e 279)
Certas pessoas preferem, sem dúvida, uma receita mais fácil para afastar os maus Espíritos: algumas palavras a dizer ou alguns sinais afazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que se corrigir de seus defeitos. Não conhecemos nenhum outro procedimento mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte do que ele. É preciso, pois, se persuadir de que não há, para alcançar esse objetivo, nem palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem quaisquer sinais materiais. Antes de esperar domar os maus Espíritos, é preciso domar a si mesmo. De todos os meios de adquirir a força para a isso chegar, o mais eficaz é a vontade secundada pela prece, a prece de coração, entenda-se, e não de palavras às quais a boca tem mais parte que o pensamento. É preciso chamarmos nosso anjo guardião e os bons Espíritos; para nos assistirem na luta; mas não basta lhes pedir para expulsarem os maus Espíritos, é preciso nos lembrarmos desta máxima: ajuda-te e o céu te ajudará; e pedir-lhes, sobretudo, a força que nos falta para vencer os maus pendores que são para nós piores que os maus Espíritos, porque são esses pendores que os atraem, como a corrupção atrai as aves de rapina. Pedindo também pelo Espírito obsessor é retribuir-lhe o bem para o mal, e se mostrar melhor que ele, o que já é uma superioridade. Com a perseverança acaba-se, o mais frequentemente, por levá-lo a melhores sentimentos, e de perseguidor dele fazer um devedor.

1 - KARDEC, Allan. Revista Espírita. Dezembro de 1862. Araras: IDE, 1993, p.p. 355-359.

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