domingo, 19 de junho de 2011

Espiritismo, ciência e lógica

Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará (A Gênese).

O tempo passou. O século XX foi pródigo em destruir paradigmas, a começar pela Física clássica. Da constatação de que ela não explicava satisfatoriamente certos fenômenos surgiram dois novos campos: a Relatividade de Einstein e a menos famosa ao grande público, mas igualmente revolucionária, Mecânica Quântica. Os elétrons, prótons e nêutrons não podem ser imaginados como pequenas coisas independentes do mundo restante. O mundo quântico nada tem a ver com essas coisas, que podem ser apalpadas. Apenas permite aos cientistas relacionar diferentes observações dos átomos entre si ou em matérias ainda menores, como procedimento para harmonizar suas observações. O átomo se converteu num simples código para um modelo matemático, não em parte da realidade. A Mecânica Quântica é aceita até hoje devido ao seu pleno êxito, não por ser intuitiva e bela. Muito pelo contrário: os paradoxos que seu sistema geraria no mundo macroscópico desafiam o senso comum e intrigaram até seus criadores. Sua modelagem probabilística acabou com o sonho de ser prever qualquer evento, desde que fossem dadas as condições iniciais. O acaso entrou definitivamente na Ciência, pelo menos no microcosmo. Muita gente não gosta disso. O próprio Einstein não gostava disso exclamou: “Deus não joga dados”. Mas parece que Ele joga, sim.

Até a Matemática que se achava acima das crises de paradigmas das demais disciplinas também teve seu choque. Os matemáticos se empenhavam na busca de um conjunto finito de axiomas do qual se pudesse deduzir toda a Matemática. O banho de água fria veio quando o Gödel demonstrou que qualquer sistema lógico é incompleto. Sempre haverá sentenças em que não se poderá decidir se são verdadeiras ou falsas e a inclusão de mais axiomas apenas retarda o surgimento dessa questão. Em suma, há verdades que nunca serão atingidas. Longe de ser desesperador, isso é bom. É sinal de que a Matemática nunca se esgotará. Podemos criar álgebras e geometrias tão malucas quanto queiram nossa imaginação; só uma coisa é exigida: coerência. A Lógica libertou-se totalmente das amarras ao mundo real.

O olhar que as ciência lançam sobre o homem também mudou. Não somos mais o produto acabado da evolução, não estamos à testa de uma fila indiana das espécies. Somos apenas um ramo de uma árvore ramificada, que é constantemente podada pela tesoura da extinção. Não somos os mais evoluídos; pois evolução não significa progresso, mas adaptação. Uma ervinha é mais autossuficiente que nós e toda nossa inteligência não é garantia de vida eterna.

As causas primárias e finais voltaram. A busca por uma “teoria final” que unifique em um só campo a Relatividade e a Mecânica Quântica prossegue. Dela se espera poder se descobrir o que levou o Universo a ser do que jeito que é e qual o seu destino.

E o Espiritismo nessas mudanças? O fosso entre as metodologias da “ciência espírita” e as demais “ciências” do mundo material foi progressivamente aumentando:

Ciência / Espiritismo

Comum novas gerações de cientistas refutarem trabalhos anteriores. Aversão a critérios de “autoridade”. Medo de se distanciar da ortodoxia kardequiana. Culto à autoridade contido no espírito da Verdade ou Kardec. Há exceções, óbvio.
Obras de grandes mestres (Principia Mathematica, Origem das Espécies, etc.) ainda lidas como referência, fontes de valor histórico e como uma forma de adentrar no raciocínio do autor. Os estudantes, porém, usam bibliografia recente, expandida e corrigida. Livros de Kardec ainda utilizados sem alterações, mesmo no que há de errado. Notas de rodapé corrigem alguns erros
A lógica é usada como ferramenta apenas. O raciocínio precisa estar corroborado evidências. A lógica é utilizada como meio de prova ou refutação de hipóteses, não havendo verificação de se a natureza pensa igualmente.
O bom senso e a experiência usual nem sempre são seguidos (Relatividade e Mecânica Quântica que o digam. Idem para a “ação à distância” de Newton). Opta-se por soluções pragmáticas, ainda que esdrúxulas. O senso comum, ao lado da lógica, é superestimado.
Há grande discussão em torno da filosofia da ciência quanto à questão da melhor metodologia para o estabelecimento de novos conhecimentos (refutabilidade, crise de paradigmas, etc.). O conhecimento espírita ainda é majoritariamente indutivo, baseado em moldes científicos do século XIX (positivismo).
Teorias inverificáveis, mas belas, são postas de lado. Persiste a presença de hipóteses “ad hoc” inverificáveis para sustentar pontos nebulosos da doutrina. (ex: vida “invisível” em outros planetas)
Apropriações entre ramos da ciência (malthusianismo no darwinismo, biologia na sociologia – darwinismo social, eugenia) hoje são vistas com reservas. Apropriações correntes são feitas sem garantia de que são válidas (ação e reação, noções de mecânica quântica, etc.)
Ciências que não têm acesso direto ao seu objeto de estudo (astronomia, história, etc.) lançam mão da análise indireta dos efeitos que chegam até nós. (espectro de luz, documentos históricos). Pede um lugar “especial” entre as ciências por não ter acesso direto ao seu objeto de estudo (espíritos).
Orações, Meditação e estados alterados de consciência são passíveis de estudo, mas isso não significa que seja verdade aquilo que seus praticantes dizem. Verdades podem ser extraídas de “estados alterados de consciência”, vulga mediunidade. Contudo, nenhuma proposta rigorosa para a separação do joio e do trigo foi apresentada.
Não faz afirmações morais. Descobertas podem, inclusive, entrar em choque com a moral vigente. Produz cartilhas de certo e errado. Eufemismos são usados para se alegar que “não é bem assim…”

Bem, vamos por partes. Há espíritas importantes no movimento (ex.: Carlos Imbassahy) que já atentaram para o risco de considerar Kardec infalível, um verdadeiro receio em se distanciar da obra original. Ocorrem controvérsias mesmo em questões mais simples, como nomenclaturas inapropriadas: “fluidos”, “vibrações” e “magnetismo” são palavras cujo sentido se modificou tanto a ponto de o uso que é dado a elas na codificação se encontrar totalmente defasado. Há quem proponha mudanças por conta própria, outros preferem se apegar a uma espécie de tradição ou de consagração pelo uso. É defendido que parte da “atualização” está sendo feita por meio de livros complementares, até como uma forma de não descaracterizar o espiritismo. Muito questionável devido ao fato de a primeira leitura recomendada continuar a ser o Pentateuco kardecista, e não as supostas correções e complementações. “A Origem das Espécies”, de Darwin, ainda é uma obra de referência para estudantes de biologia, nem que seja para analisar o raciocínio do autor a partir da base que tinha. Entretanto, a apresentação ao darwinismo em seu estado original é apenas introdutória e logo são apresentados ao que há de mais atualizado no campo de pesquisa. Stephen Jay Gould desenvolveu interpretações diferentes dos neodarwinistas de como se dava o processo evolutivo. Era um grande fã de Darwin! Seus ensaios são permeados por citações de seu mestre, mas Gould corria caminhos alternativos quando a interpretação convencional não era suficiente para ele. Nem por isso foi menos biólogo ou evolucionista de araque. Nem foi taxado de “gouldista”. A possibilidade de pensamentos dissidentes em um campo científico é algo que falta ao espiritismo. Tudo bem que certas correntes trazem divergências bem destoantes, como os ramatistas; mas não é isso que está em jogo: é o medo de discordar do “mestre lionês” que faz dele uma espécie de Aristóteles moderno do espiritismo.

Kardec depositava fichas demais na lógica. Ela é importante sem dúvida e tê-la é um requisito mínimo. Mas quem a estuda não demora a descobrir que ela não tem tanto poder assim como dizem. Não pode ser usada para atestar a falsidade ou verdade de um fato natural. A validade de uma proposição depende do sistema de axiomas que se tem como ponto de partida. Assim, o que é falso num sistema pode ser verdadeiro em outro. E você não sabe, a priori, quais são os axiomas que a Natureza “adota” em determinado campo, sem falar nas proposições indecidíveis que todo sistema axiomático fatalmente carrega (Teorema de Gödel). Nas palavras do filósofo da ciência, Karl Popper:

Contudo, há não muito tempo sustentava-se que a Lógica era uma Ciência que manipula os processos mentais e suas Leis — as leis do nosso pensamento. Sob esse prisma, não se podia encontrar outra justificação para a Lógica, a não ser na alegação de que não nos é dado pensar de outra maneira. Uma inferência lógica parecia justificar-se pelo fato de ser sentida como uma necessidade de pensamento, um sentimento de que somos compelidos a pensar ao longo de certas linhas. No campo da Lógica, talvez se possa dizer que essa espécie de psicologismo é, hoje, coisa do passado. Ninguém sonharia em justificar a validade de uma inferência lógica, ou defendê-la contra possíveis dúvidas, escrevendo ao lado, na margem, a seguinte sentença: “protocolo: revendo essa cadeia de inferências, no dia de hoje, experimentei forte sensação de convicção”. (A Lógica da Pesquisa Científica)
A lógica é uma ferramenta, apenas. Com ela pode-se dizer se um raciocínio foi bem encadeado e se um sistema é consistente ou não, isto é, se não se contradiz. Mesmo que passem por este teste, ainda não está garantido que a Natureza não se comporte através de outro arranjo. Os gregos antigos fizeram inúmeras especulações acerca de como o universo funcionava. A maioria, palpites errados.

Bom senso é, de certa forma, uma redundância, pois ter senso já é muito bom. Situado em algum lugar entre um raciocínio linear e a intuição, também esconde suas armadilhas. O senso comum de um povo pode diferir de outro, assim como o juízo feito em determinada época se revelar equivocado na seguinte. Esta subjetividade, aliada às sutilezas da Natureza, faz do “bom senso encarnado” um contrassenso metodológico. Um exemplo:

A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião. O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre certas raças, diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é capaz de determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto à hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos. (LE, cap. III, item 59)
Há um acerto na questão de que a cronologia é realmente curta demais para permitir variabilidades sensíveis entre as espécies. Porém, o encadeamento lógico desanda quando generaliza para todo caso e qualquer intervalo de tempo. Kardec usou o senso que tinha, mas a verdade subjacente à origem e diversidade das espécies precisa das noções de evolução e mutações, que não são intuitivas.

Especulações à parte, o espiritismo ainda possui problemas quanto à maneira de agregar o “conhecimento” que colhe. Ainda está impregnado pelo modismo intelectual do século XIX: o positivismo. Antes que se realce as características materialistas deste sistema filosófico que pretendia reformar a sociedade e terminou por querer criar a “religião da humanidade”, deve-se lembrar que também era uma teoria da ciência, e foi essa a parte que inspirou a metodologia kardecista. Em linhas gerais, pode-se dizer que o positivismo e suas escolas derivadas (empirismo lógico, Círculo de Viena, etc.) baseavam seus critérios na verificabilidade de uma teoria. Um enunciado seria científico se pudesse ser sucessivamente confirmado empiricamente. A não-ocorrência do enunciado estabeleceria sua falsidade. De fato, a noção de “Consenso Universal dos Espíritos” nada mais é que essa busca de contínua verificação. Quanto mais médiuns ao redor do mundo dessem a mesma resposta a uma pergunta, maiores as chances de esta ser verdadeira. Mas daí vêm alguns problemas — “quantas comunicações seriam necessárias para se dizer que ‘é suficiente’?”, “o que fazer com as respostas destoantes?”, “rejeitá-las, simplesmente?”, “se pode haver influências do médium na comunicação, não se deveria espalhar os questionários por diversos locais distantes do globo — não apenas no universo europeu — para garantir que não houve influência cultural?”.

Uma maneira simples de questionar a verificabilidade seria indagar se, pelo fato de todos os cisnes de um zoológico serem brancos, todos os membros da espécie também o são. Poder-se-ia sair numa busca frenética atrás de todos os cisnes do mundo, e cada novo animal branco reforçaria a hipótese, tornando-a mais “verdadeira”, mais “provável”. Simples engano, pois bastaria um único exemplar de cor diferente para derrubar a teoria. Infelizmente, o suposto caçador de cisnes brancos se desiludiria ao percorrer a Austrália, onde cisnes negros foram encontrados pela primeira vez…

Esta forma indutiva de fazer ciência recebeu dura crítica do filósofo da ciência Karl Popper que, divergindo dos neopositivistas dos quais fazia parte, propôs a falseabilidade (ou refutabilidade empírica) como novo critério para a demarcação da cientificidade de um enunciado. O que distingue uma ciência da pseudociência é a capacidade de a primeira ser refutada com base na experiência. Uma teoria é válida quando resiste à refutação, podendo, então, ser confirmada. Esta mudança de postura foi imensa e a atividade científica passou a buscar não a confirmação de suas próprias teorias, mas justamente o contrário: derrubá-las. Afinal, quem merece mais crédito: um cidadão que testou mil vezes os postulados da mecânica clássica ou um que lhes determinou um limite de validade? Lembra de Einstein?

Nessa parte, os continuadores de Kardec deixam a desejar. Há um receio, ou talvez temor, em se arrumar uma maneira de pôr à prova o que está escrito no Pentateuco. Enfoca-se mais a parte filosófica-doutrinária, que se mantém quase sem arranhões justamente por não ser passível de refutação, e se subestima os erros e equívocos que se revelam por serem minoria dentro do corpo doutrinário. Mas são estes “acessórios falhos” que englobam aquilo a que nós, seres materiais, podemos ter acesso e verificar por conta própria. São eles que lançam dúvidas sobre as partes referentes ao “lado de lá”. Por isso, penso que o pior lugar para se discutir o espiritismo é dentro de um centro espírita; o mesmo vale para debates dentro de igrejas, partidos políticos e times de futebol. Nesses locais sempre se busca um consenso, nem que seja à força. Embates que gerem novas ideias aparecem mais quando antagonistas se chocam. É irônico dizer isto, mas os detratores do espiritismo, desde os cristãos radicais até os materialistas (e muitos me incluiriam neste bojo, também), lhe prestam um grande favor. São eles que, por vias tortas, desempenham um papel que deveria ser dos próprios espíritas. “Ciência também erra”, diriam os críticos. Concordo, os cientistas erram e uns vão atrás dos erros dos outros, pois sabem que neles está a mola propulsora para o progresso. Uma atitude perante o erro melhor que uma postura defensiva.

Há críticas, porém, à aplicação da refutabilidade a ferro e fogo. Popper mesmo admitiu a possibilidade de se utilizar hipóteses auxiliares específicas para se contornar uma dificuldade prática (ad hocs). Um exemplo tradicional ocorreu na astronomia do século XIX: as observações da órbita do planeta Urano não batiam com o previsto pela teoria da gravidade de Newton. Cogitou-se que a presença de um outro planeta ainda não descoberto estaria interferindo em sua órbita e até se previu sua possível posição. Assim, Netuno foi descoberto e a confiança na Gravitação Universal restaurada. Baseado nesta e outras avaliações históricas, Thomas Kuhn postulou que boa parte do tempo é gasta pelos pesquisadores na avaliação das previsões de teorias e na reconciliação dos dados discrepantes. Somente quando a quantidade de remendos chegasse a um nível crítico, ocorreria a crise de paradigmas, na qual pressupostos antigos são postos em cheque e novos são criados. Voltando às órbitas planetárias, pela mesma época da descoberta de Netuno, tentou-se justificar as irregularidades na órbita de Mercúrio pela presença de um planeta entre ele e o Sol, que foi chamado Vulcano. Ninguém conseguiu encontrá-lo e o incômodo só foi resolvido com a introdução da Relatividade Geral de Einstein, uma nova teoria de gravitação que deu uma explicação satisfatória para este e outros fenômenos.

O problema da obra de Kuhn é que não há uma definição precisa para “paradigma” (o cerne de seu trabalho) e ele mesmo admitiu que perdeu controle do uso do termo. Mesmo questionando Popper, de forma alguma defende o retorno ao indutivismo lógico dos neopositivistas. E, afinal, seria possível reconciliar o espiritismo com o que diz a ciência por meio de hipóteses auxiliares?

Bem, vale lembrar que há critérios no uso de ad hocs. Eles também têm de ser passíveis de corroboração. Um caso emblemático ocorreu com Galileu, quando verificou em sua luneta que a superfície da Lua era irregular e cheia de crateras e montanhas. Isto contrariava as ideias de Aristóteles, ainda vigentes na época, segundo as quais a Lua seria perfeitamente esférica e lisa. Os neo-aristotelistas partiram em defesa do antigo mestre e disseram que o espaço entre as montanhas estava preenchido por uma substância invisível, que não podia ser detectável aqui da Terra. Com isso garantiam que qualquer chance de refutação seria impossível. Galileu, muito inteligentemente, endossou a presença de tal misteriosa substância, porém com uma diferença: ela se acumularia no topo das montanhas, tornando a superfície do satélite ainda mais irregular. Os seguidores de Aristóteles que provassem que estava errado! Ele mostrou que suposições ad hoc são capazes de provar quaisquer hipóteses, até as opostas. Este tipo de argumento pode ter até senso, mas pouco valor se não houver nenhuma maneira de testá-lo. Do contrário, haveria um verdadeiro jogo de desonestidade intelectual: se der cara eu ganho, coroa você perde.

Aí reside o erro de boa parte das defesas argumentativas do espiritismo: no abuso de ad hocs fracos. Podem até dar uma aparente capa de racionalidade, mas estão próximos demais de um comportamento pseudocientífico ou, no mínimo, de má-ciência. Um dos mais problemáticos consiste na justificativa dada para explicar a ausência, até o presente momento, de vida inteligente em outros planetas deste sistema solar, mesmo após a investigação de sondas espaciais: os habitantes desses mundos seriam feitos de uma matéria “sutil” e invisível aos nossos instrumentos. Não sei se há alguém brincando de esconde-esconde com os robozinhos que pousaram em Marte, se estes aterrissaram em cima de desertos, ou a civilização marciana se encontra no subsolo. Enquanto nossos vizinhos não mostrarem a cara, essa afirmação continuará digna de estar sobre o mesmo pedestal de outras pérolas do tipo: “a Terra tem apenas 6.000 anos, mas foi feita para parecer que tem 4,5 bilhões” ou “objetos inanimados possuem sentimentos, embora não sejam capazes de expressá-los”.

Outras afirmações especiais são um pouco mais sutis, dentro do cerne da metodologia. Informações disparatadas são desculpadas não como fruto de uma comunicação espiritual, mas do “psiquismo” do médium que colocaria ideias próprias como sendo de “outrem”. Kardec, supostamente, não soube separar uma coisa de outras. Tal alegação apenas resolve os problemas das comunicações presentes e futuras, mas nada pode dizer quanto às que foram feitas no século XIX. Como se sabe onde houve contaminação da mente do médium ou não? Parodiando Galileu, digo que as afirmações até agora não-refutadas foram feitas por cérebros encarnados, ao passo os erros pertencem apenas ao mundo espiritual. Provem que estou errado!

A separação do joio do trigo nas comunicações, por sinal, ainda depende de uma metodologia precária, que remonta a Kardec. Pode ser que se estude os efeitos de “estados alterados de consciência” do cérebro com o mesmo aparato tecnológico usado para se verificar os efeitos da oração ou meditação. Agora, o que se extrairá disso só o futuro dirá. Dizer que alguém está tendo acesso a uma verdade superior só de olhar uma tomografia pode ser ambicioso demais no momento. Os critérios adotados são indiretos e foram assim catalogados por Herculano Pires em quatro pontos principais:

Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral quanto da pureza das faculdades e da assistência espiritual;
Análise rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo aquilo que não possa ser justificado;
Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas comunicações e do teor de sua linguagem;
Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto.
Acontece que:

Há um elevado grau de subjetividade aqui. Não há técnicas confiáveis para avaliar tais atributos em encarnados, que dirá da “assistência espiritual”.
Já foram ditas as deficiências da lógica em garantir se algo é verdadeiro ou não. Quanto a limitar o crédito apenas às mensagens que corroborem o conhecimento vigente, está se perdendo uma bela oportunidade de se colocar comunicações sob teste. Se um conjunto de relatos em meados do século XIX que fizesse menção aos paradoxos quânticos e relativísticos ou rejeitasse as teorias de superioridade racial fosse rejeitado segundo esse critério, uma oportunidade teria ido embora. Preferiu-se ficar à sombra do que já era conhecido como uma forma de provar uma mensagem, quando o mais interessante seria um conteúdo ainda desconhecido para justamente pô-la à prova algum dia. Uma crítica muito frequente é a falta de descobertas científicas através de mediunidade. Nenhuma cura de doença, dedução de um teorema difícil, sítio arqueológico relatado ou mesmo uma literatura digna de prêmio Nobel. Para isso existe mais um ad hoc: Os espíritos não trazem nenhum conhecimento pronto porque isso tira o nosso mérito em progredir pelo próprio esforço. Espere aí, não tire o corpo fora. Ninguém falou em seres astrais superprotetores transformando a humanidade encarnada em um bando de indolentes. Pede-se apenas que algumas joias sejam oferecidas para que se tornem “evidências extraordinárias para alegações extraordinárias”. E é bom que se diga que, ao relatar civilizações extraterrenas, expor teorias da Lua, defender abiogênese e afirmar que a medicina espiritual curaria doenças letais da época, se trouxe, sim, informações que deveríamos descobrir por nós mesmos; portanto, essa desculpa é muito furada.
Se falar bonito fosse sinal de idoneidade, então os 171 da vida seriam os melhores mentores da humanidade. Esse critério é por demais ingênuo. Farsantes deste (e quem sabe do outro) mundo usam palavreado florido e conceitos científicos pouco conhecidos do grande público como uma forma de dar pretensa autoridade. Magnetismo e mecânica quântica, então… isso me faz pensar se algum desse sábios espirituais seria ao menos capaz de resolver uma equação diferencial que se preze.
O “consenso universal”, além do problema de ser indutivista, se mostra cada vez mais regional. Diferenças já apareciam no século XIX (espiritismo inglês, roustaignismo e até em diferenças entre a primeira e segunda edição do LE). Isso aumentou no século XX com novos grupos Nova Era e espiritualistas (não-kardecistas) com suas doutrinas e interpretações próprias. Uma resposta dada a isso foi que estes relatos divergentes não são dados por espíritos que fizeram parte da original “Falange do Espírito da Verdade” (relativa), que auxiliou Kardec. Entretanto, é difícil definir — se é que isso não seria arbitrário — quem pertence a esta casta de “autorizados” ou não. As obras de Edgar Armond e Pietro Ubaldi, por exemplo, são controversas ainda, existindo quem os considere como continuadores e complementares à codificação, e aqueles que toleram estes autores apenas como fundadores de outras vertentes espiritualistas. Só para citar, em um exemplar da revista Visão Espírita (ano 2, número 20, pág. 20, Editora Seda) se encontra um anúncio dos livros de Ubaldi. Como diz o velho ditado: “filho feio não tem pai”.
Alguém pode estar pensando que toda a preleção feita acima se refere apenas às ciências experimentais, não tendo nenhuma relação com outros campos. De que maneira poderia um astrônomo analisar astros tão distantes, um paleontólogo tratar como ratinho de laboratório um animal morto a milhões de anos e um historiador voltar no tempo para assistir a uma importante batalha. Elas não estão sujeitas aos testes popperrianos de refutação.

Nada mais falso! Campos de estudo que se valem de análises indiretas podem (e devem), sim, ter suas teorias postas em xeque. Um astrônomo pode cogitar sobre os elementos que compõem uma estrela e verificar se está certo analisando o espectro de luz emitido por ela. A teoria da evolução pode ser refutada se se descobrir um ser vivo cuja origem não pode ser explicada ou se se encontrar um fóssil de humano moderno ao lado do de um dinossauro; tudo que se imaginava acerca de um evento histórico pode sofrer uma reviravolta com a revelação de um novo documento apresentando nova versão dos fatos. Ciências não-experimentais baseiam-se no controle criterioso de seus dados, na dúvida sistemática, na aplicação de dedução, eliminação de preconceitos baseados na autoridade ou no bom senso, na busca de contraprovas que possam ser previstas a partir das hipóteses formuladas. Em suma, tudo que já foi exposto acima e o espiritismo deixa a desejar. O fato de espíritos (se existirem) não serem acessíveis diretamente não dá ao espiritismo o direito de ter um tratamento especial.

Uma questão ainda pendente é a da “ciência com consequências morais”. Mesmo que o espiritismo fosse ciência, seria muito arriscado fazer juízos morais baseados em noções científicas. Nas palavras de Stephen J. Gould:

(…) a descoberta potencial pelos antropólogos de que o assassinato, o infanticídio, o genocídio e a xenofobia podem ter caracterizado muitas sociedades humanas, podem ter prosperado em muitas sociedades humanas e podem até ser benéficos para a adaptação a determinados contextos não oferece nenhum apoio à pressuposição moral de que devemos nos comportar dessa maneira. (Extraído de Pilares do Tempo, parte 2, Definição e defesa dos ministérios não interferentes).
Certo que o espiritismo não chega a propor as coisas do exemplo de Gould, mas há as conclusões quanto ao transplante de órgãos citadas na parte “Restauração de Dogmas”. Foram afirmações de cunho moral muito duvidoso, tanto que nem são (creio eu com minha experiência humilde no meio) aceitas pela maioria dos espíritas. Ficam como amostras do tipo de equívoco que pode acontecer.

Há um último comentário a ser feito que não se encontra na tabela do começo do tópico. Os espíritas se colocam fora do conjunto das demais religiões tradicionais por possuírem postulados, ao contrário das demais crenças cristãs que se baseiam em dogmas. Bem, até que ponto isso é verdade dependerá da maneira como se der nome aos bois.

Dogmas e postulados partilham entre si a qualidade de serem aceitos sem demonstração. Não vale a regra de que dogmas seriam os mistérios da fé mais esdrúxulos, ao passo que postulados seguiriam mais a intuição. Ambos podem ser pontos de partida para raciocínios lógicos, ainda que de conclusões duvidosas.

As definições são dogmas; somente as conclusões retiradas delas podem proporcionar-nos nova perspectiva. K.Menger, citado por Popper.
Então qual a diferença? A principal distinção se dá através do uso de cada um. Campos de estudo continuam existindo mesmo após uma profunda revisão de seus princípios. Por isso a física conseguiu fazer a mudança de seus paradigmas no começo do século XX, a biologia continuou existindo após descrença do “princípio vital” como motor da vida e a geometria alargou seus horizontes para muito além de Euclides. Já uma doutrina, não. O catolicismo sofreria um baque sem a virgindade de Maria antes e após o parto; o protestantismo, não. Ambas rejeitariam com veemência a descoberta de um hipotético cadáver de Cristo, comprovando que não ressuscitou, nem ascendeu aos céus. Elas perderiam a razão de ser sem este dogma.

Bem, você pode pensar que o espiritismo está livre desta porque a única maneira de refutá-lo é provar que a mente não sobrevive à morte do corpo, não é? Não, não é. Isso valeria para o espiritualismo no sentido mais amplo da palavra. O espiritismo tem uma quantidade maior de pressupostos, o que torna-o mais frágil. Uma prova da sobrevivência da mente ao fim do corpo apenas prova isto: a vida após a morte; não garante nada a respeito da existência de um deus ou regras de “ação e reação” (karma). Deuses podem muito bem continuar não existindo ou não dando a mínima para o que fazemos e até serem imperfeitos, que a vida após a morte não seria um contrassenso. O budismo theravada vive muito bem sem um deus. A reencarnação pode ser um fato, como muitos se esmeram em provar, mas tem mesmo de ser do jeito que Kardec diz? Poderia se dar por um processo aleatório, independente de um karma; mais de uma essência (ou alma) poderia se reunir em uma, ou então uma mesma essência se dividir em corpos distintos, possibilidade também aceita por vertentes budistas; novas almas poderiam ser geradas junto com o feto, sem nenhum karma passado. Deus, reencarnação, espíritos, karma: espíritas acham que esses conceitos formam um bloco monolítico e que a existência de um depende da dos outros, o que não é verdade. Há mais pressupostos que não foram ditos, mas apenas com esses eu pergunto: pode o espiritismo mudar ou até excluir algum deles sem ter que mudar de nome? Se a resposta for um estrondoso sim, quem sabe exista ainda um modo de mudar a atitude dos espíritas e dar-lhes mais rigor. Se a resposta possuir alguma espécie de “se”, então estamos diante de uma religião ou, com boa vontade, uma filosofia, nunca uma ciência. O espiritismo possui inspiração racionalista, mas isso não basta para fazer dele um campo de pesquisa.

fonte: Falhas do Espiritismo

http://ateus.net/artigos/critica/espiritismo-ciencia-e-logica/

Um comentário:

Ciência e Espiritualidade disse...

Memória molecular. "Alma física"
Vital !
sobrevivência da consciência após a morte?

Imagine que "alma" humana seja composta de 92 pares de átomos de Kriptônio, que esteja localizada sob o hipotálamo, sendo que 46 átomos codificados ionicamente, correspondem aos cromossomos das células somáticas. Os outros 46 átomos correspondem ao psiquismo, com todas as informações da bagagem psíquica dos nossos ancestrais na memória da nossa existência codificada nos átomos.
Então temos uma memória molecular gravada num chip gasoso. Quando o corpo morre, a alma vai para o céu (ionosfera) formando uma camada como a de ozônio, "uma colônia celestial" ou o arquivo morto da imagem e do som.
Todos nós temos uma frequência pessoal gravada na nossa alma, que é a nossa identidade psíquica.
Quando um médium expande sua consciência e sintoniza a frequência de um falecido, se estabelece uma comunicação. Creio que em breve essa comunicação será possível por meios eletrônicos.
Em vida a alma funciona como um transceptor, as ondas do pensamento racional comandam os atos de vontade no sistema nervoso voluntário.
As ondas do pensamento inconsciente comandam os movimentos involuntários do músculo cardíaco e os movimentos peristálticos dos tecidos lisos do intestino.
A alma também comanda a glândula pineal que comanda a hipófise que comanda as glândulas endócrinas e o sistema imunológico. isso é a vida humana.


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