Luciano Klein Filho
A faceta de Bezerra de Menezes como historiador é muito pouco conhecida. Seus biógrafos aludem superficialmente a ela sem entretecerem maiores considerações. Não sabemos ao certo as razões que motivaram o futuro Médico dos Pobres a tornar-se um historiador, especialista no gênero biográfico,1 interessado em pesquisar e escrever sobre a trajetória existencial de alguns de seus contemporâneos, engajados nas atividades políticas do Brasil do século XIX. As biografias de sua lavra começaram a ser escritas em 1856, ano no qual concluiria a Faculdade de Medicina. Ao contrário, porém, do que asseveram alguns pesquisadores, o jovem estudante mostrava-se interessado pelas questões políticas sociais de seu tempo. A primeira biografia de sua autoria, escrita no ano de 1856, foi um tributo à memória de Estêvão Ribeiro de Rezende (1777-1856), o Marquês de Valença, desencarnado naquele mesmo ano. Era um opúsculo homenageando esse vulto do Império por quem Bezerra nutria certa admiração. Foi lançado com o título O Marquês de Valença: esboço biográfico.2
No ano seguinte, em 1857, prosseguiria com suas pesquisas historiográficas, escrevendo outros trabalhos sobre vultos ligados à política de seu tempo. Seus escritos foram, originalmente, lançados em fascículos. Eram encomendados pelo desenhista e retratista francês Sebastião Augusto Sisson.3 No ano de 1859, Sisson os enfeixou no primeiro de dois volumes lançados com o título Galeria dos Brasileiros Ilustres: os contemporâneos. O trabalho de Sebastião Sisson, conforme os dizeres constantes da folha de rosto, apresentava
[...] retratos dos homens mais ilustres do Brasil, na política, ciências e letras desde a guerra da independência até os nossos dias, copiados do natural e litografados por S. A. Sisson, acompanhados das suas respectivas biografias, publicadas sob a proteção de Sua Majestade o Imperador.
Impressa em dois volumes, o primeiro lançado em 1859 e o segundo em 1861, pela Typ e Const. J. Villeneuve & Comp., do Rio de Janeiro.4 O período no qual Adolfo Bezerra de Menezes redigiu esses esboços biográficos foi correspondente aos anos de sua iniciação na carreira médica, quando também publicou, em 1856, a tese que defendera, para concluir seus estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 24 de novembro daquele ano.5 Este foi um período prolífero e de grande produtividade intelectual do jovem esculápio. No ano da publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857, ele se candidatou para ser membro titular da Academia Imperial de Medicina, tomando posse em 1º de junho daquele ano. Em 1859, tornou-se redator dos Anais Brasilienses de Medicina, da Academia, atividade que exerceria até meados de 1861. Passou, também, a colaborar na Revista da Sociedade Físico-Química. Em 1858, integrou o Corpo de Saúde do Exército, chegando a disputar uma vaga de lente substituto da Seção de Cirurgia da Faculdade de Medicina. Nesse tempo, foi, ainda, nomeado assistente de Manoel Feliciano Pereira de Carvalho, considerado o patriarca da cirurgia brasileira, assumindo a patente de 2º cirurgião-tenente do Exército. Como historiador, Bezerra deixa transparecer sua honestidade quanto às dificuldades enfrentadas em suas pesquisas, tendo a humildade de reconhecer lacunas existentes em seu trabalho, encomendado, certamente às pressas, pelo artista francês. Na biografia do Visconde de Maranguape, diz-nos:
[...] Seria talvez preferível, em vista da completa deficiência em que estamos de maiores dados para a confecção de um trabalho que possa mais tarde servir de base a uma biografia completa [...].
Os perfis biográficos de Bezerra, redigidos num estilo peculiar, característico da época, retratavam aspectos principais da vida de políticos de nomeada. Alguns deles ainda estavam encarnados, tendo, eles próprios, enviado ao pesquisador subsídios para a composição de seus perfis. Além de Bezerra, outros escritores como José Martiniano de Alencar,Manoel José de Araújo Porto Alegre (Barão de Santo Ângelo), Irineu Evangelista de Sousa (Barão de Mauá), Antônio Ferreira Viana, entre outros, colaboraram na composição da coletânea organizada por Sisson. Nessa coletânea Sisson não cita os nomes dos autores, o que levou Tancredo de Barros Paiva a tentar identificá-los em seu dicionário de pseudônimos, publicado em 1929.6 Segundo Tancredo, Bezerra escreveu 17 biografias. São elas: Marquês de Valença (uma versão mais resumida do opúsculo anteriormente mencionado), Bernardo de Souza Franco, Cândido Batista de Oliveira, Conde de Irajá, Eusébio de Queirós, José Clemente Pereira, José Maria da Silva Paranhos, Marquês de Abrantes, Marquês de Olinda, Marquês de Monte Alegre, Visconde de Abaeté, Visconde de Caravelas, Visconde de Maranguape, Visconde de Sapucaí, Visconde de Uruguai, José Bonifácio de Andrada e Silva e D. Pedro II. Mas o dicionarista João Velho Sobrinho acrescenta à relação a biografia do Visconde de Itaboraí, aventando, porém, a possibilidade de que a biografia de José Bonifácio poderia ter sido escrita por Antônio Ferreira Viana. Finalizando este artigo, chamamos
a atenção para a maneira como o historiador Bezerra de Menezes descreve D. Pedro II. Não obstante ter enfocado nuanças de sua carreira política, preocupa-se em ressaltar a feição caritativa do soberano, demonstrando a grandeza dessa alma que, à semelhança de seu biógrafo, veio à Terra para o desempenho de especial missão na Pátria do Cruzeiro. Atentemos para a narrativa de Bezerra nos dois últimos parágrafos:
A bolsa do nosso Imperador abre-se sempre ao pobre que lhe suplica uma esmola. Milhares de famílias de servidores do Estado dirigem fervorosas súplicas ao Onipotente pela conservação da vida daquele que por meio de pensões lhes mitiga os sofrimentos que infelizmente ainda hoje cabem às mulheres e filhas dos homens encanecidos nos serviços da pátria. Nos dias de epidemia, vai consolar em sua choupana o filho ingrato da fortuna que se estorce de dor no seu leito de palha; visita os diferentes hospitais, e ordena que parte de sua insignificante dotação seja distribuída pela classe pobre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário