quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Uma brisa de caridade

Ele passou pela Terra como uma brisa de primavera…

Por onde esteve deixou seu perfume indelével nas almas que tiveram a felicidade de sentir o rocio da verdadeira caridade.

Em seu rastro ficaram frutos de sabedoria e amor...

Sua passagem foi breve, mas o suficiente para implantar neste mundo de expiações e provas um poderoso farol capaz de nortear o caminho que conduz à sabedoria: a ciência da alma, o Espiritismo.

O mundo estava mergulhado nas trevas do materialismo...



Já não se ouvia mais a voz dos apóstolos...

Era preciso que as pedras falassem...

Preciso era, acima de tudo, que alguém lhes desse ouvidos...

Somente alguém com a razão atilada e um coração eloquente, poderia servir a essa gigantesca tarefa...

Ele nasceu no outono de 1804, a estação em que a natureza se recolhe, silenciosa, e a vida pulsa mais lentamente, como a preparar-se para uma nova florada...

O Espírito de Verdade o amparava, como Anjo silencioso, vibrando seu amor pela humanidade através de suas mãos firmes, de seu cérebro lúcido, de seus ombros fortes e dispostos ao sacrifício por amor...

Ele deixou sua morada sublime, seus amigos fiéis, sua felicidade conquistada para vir habitar um mundo povoado de Espíritos imperfeitos...

O Espírito de Verdade desejava estender mão socorredora aos transviados filhos de Israel... e ele estava disposto a secundar Jesus nesse sublime encargo.

Um homem singular...

Uma vida de dedicação integral à humanidade...

Seu caráter exprime energia e doçura, verdade e ternura, confiança e dinamismo...

Era chamado Mestre por Espíritos e homens que reconheciam nele sua real grandeza.

Apóstolo do Cristo, cabia-lhe a tarefa de materializar, em forma de textos, a verdade esparsa pelo universo: a Lei de Deus.

Como não podia deixar de ser, em seus escritos ficou a marca de um homem singular, registrada para a posteridade.

A ciência estava posta, seus resultados já se faziam notar nos mais variados pontos da Terra.

Era outono de 1860...

Naquele cinzento mês de setembro o Mestre deixa Paris envolta em brumas, e se dirige a Lyon, a cidade dos mártires, para ver de perto os efeitos que o seu trabalho havia provocado nos corações daqueles que ele só conhecia por correspondência...

E no dia 19 daquele mortiço setembro, o Mestre aperta com vigor a mão calosa daquele operário, chefe de oficina, que o esperava com indizível alegria no coração.

O pensador de olhar grave e incomparável sabedoria, se dirige à tribuna simples do pequeno centro, e deixa que seu coração se exteriorize em palavras...

Os Anjos o inspiram...

Já se passaram quase duzentos anos, mas suas palavras continuam atuais e trazem importantes ensinamentos para todo espírita sincero.

Nós, que amamos o mestre Allan Kardec, imaginamo-nos entre os convidados daquele dia memorável no pequeno centro em Lyon, interagindo com o mestre, propondo-lhe algumas questões, possíveis de serem colocadas ante as respostas contidas em seus discursos.

1. Mestre, reconhecemos, na sua maneira de proceder, toda a grandeza de seu Espírito. Isso nos leva a crer que o senhor não tem inimigos. Estamos certos?

R. No estado atual das coisas aqui na Terra, qual é o homem que não tem inimigos? Para não tê-los fora preciso não habitar aqui, pois esta é uma consequência da inferioridade relativa de nosso globo e de sua destinação como mundo de expiação.

2. Ocorreu-nos pensar que aquele que só praticasse o bem estaria isento da maldade dos homens. Não seria suficiente praticar o bem?

R. Não! O Cristo ai está para prová-lo. Se, pois, o Cristo, a bondade por excelência, serviu de alvo a tudo quanto a maldade pôde imaginar, co¬mo nos espantarmos com o fato de o mesmo suce¬der àqueles que valem cem vezes menos?

O homem que pratica o bem - isto dito em tese geral charité- deve, pois, preparar-se para se ferir na ingratidão, para ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo dotados de força para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, obstinam-se em anular, pela maledicência ou a calúnia, aqueles que os ofuscam.

3. Mestre, mas isso é ingratidão, e esse não seria um motivo justo para se desgostar de fazer o bem?

R. Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o nosso coração e nos torna egoístas. Falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, uma vez que esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom.

4. Mas quem faz o bem há de merecer pelo menos o reconhecimento, não?

R. O reconhecimento é uma remuneração pe¬lo bem que se faz; praticá-lo tendo em vista esta remuneração, é fazê-lo por interesse. Por outro lado, quem sabe se aquele que beneficiamos, e do qual nada esperamos, não será estimulado a mais elevados sentimentos por um reto proceder? Este pode ser, talvez, um meio de levá-lo a refletir, de suavizar sua alma, de salvá-lo! Esta esperança constitui uma nobre ambição. Se nos inferiorizarmos, não realizaremos o que nos compete realizar.

5. Mestre, tem o senhor que lamentar a existência de algum adversário?

R. Pondo qualquer questão pessoal de lado, tenho adversários naturais nos inimigos do Espiritismo. Não cogiteis que me lamente! Longe disto! Quanto maior é a animosidade deles, melhor comprova a importância que a doutrina espírita assume aos seus olhos.

Entretanto, - o que pode parecer mais espantoso, - é que tenho adversários mesmo entre os adeptos do Espiritismo: Ora, nesta área é que uma explicação se torna necessária.

Entre os que adotam as idéias espíritas há, como bem sabeis, três categorias bem distintas:

1. Os que crêem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que deles não deduzem qualquer conseqüência moral;

2. Os que percebem o alcance moral, mas o aplicam aos outros e não a si mesmos;

3. Os que aceitam pessoalmente todas as consequências da doutrina e que praticam ou se esforçam por praticar sua moral. Estes, vós bem o sabeis, são os VERDADEIROS ESPÍRITAS, os ESPÍRITAS CRISTÃOS. Esta distinção é importante, pois bem explica as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil compreendermos as atitudes de determinadas pessoas. Ora, o que preceitua essa moral? Amai-vos uns aos outros; perdoai os vossos inimigos; retribui o bem ao mal; não tenhais ira, nem rancor, nem animosidade, nem inveja, nem ciúme; sede severos para convosco mesmos e indulgentes para com os outros. Tais devem ser os sentimentos do verdadeiro espírita, daquele que se atém ao fundo e não à forma, do que coloca o espírito acima da matéria.
Este pode ter inimigos, mas não é inimigo de ninguém, pois não deseja o mal a quem quer que seja e, com maiores razões, não procura fazer o mal a ninguém. Este, como vedes, senhores, é um princípio geral, do qual toda a gente pode tirar um benefício. Se, pois, tenho inimigos, eles não podem ser contados entre os espíritas desta categoria pois que, admitindo que tivessem motivos legítimos de queixa contra mim, o que me esforço por evitar, esse não seria um motivo para me odiarem e, com melhores razões se nunca Ihes fiz qualquer mal.

O Espiritismo tem por divisa: Fora da caridade não há salvação, o que equivale dizer: Fora da caridade não pode existir verdadeiros espíritas. Solicito-vos inscrever, daqui para a frente, esta divisa em vossas bandeiras, pois ela resume ao mesmo tempo a finalidade do Espiritismo e o dever que ele impõe.
Estando, pois, admitido que não se pode ser um bom espírita com sentimentos de rancor no coração, eu me orgulho de contar apenas com amigos entre estes últimos, pois que, se eu tiver defeitos, eles saberão desculpá-los.

6. Mestre, qual tem sido a sua conduta ante os ataques dos adversários?

Por mais que façam, jamais conseguirão fazer-me sair da moderação e da regra que tenho por conduta. Nunca se poderá dizer que respondi à injúria com injúria. As pessoas que me conhecem na intimidade podem dizer que jamais os mencionei, se alguma vez, na Sociedade, foi dita uma única palavra, foi feita uma única alusão relativamente a qualquer um deles. Mesmo pela "Revista" jamais respondi às suas agressões, quando dirigidas à minha pessoa, e Deus sabe que elas não têm faltado!

De que adianta, ademais, seu malquerer? De nada! Nem contra a doutrina nem contra mim. A doutrina espírita prova, por sua marcha progressi¬va, que nada tem a temer. Quanto a mim, não ocu¬po nenhuma posição, por isso nada existe que me pode ser tirado; não peço nada, nada solicito e, assim, nada me pode ser recusado. Não devo nada a ninguém, desse modo nada há que me possa ser cobrado; não falo mal de ninguém, nem mesmo daqueles que o dizem de mim. Em que poderiam, então, prejudicar-me? É certo que se pode atribuir a mim o que eu não disse e isso já se fez mais de uma vez. Mas, aqueles que me conhecem são ca¬pazes de distinguir o que digo daquilo que não sou capaz de dizer e eu agradeço a quantos, em semelhantes circunstâncias, souberam responder por mim. O que afirmo, estou sempre pronto a repetir na presença de quem quer que seja, e quando afirmo não ter dito ou feito uma coisa, julgo-me no di¬reito de ser acreditado.

7. Mestre, fala-nos um pouco sobre o que o senhor entende por caridade?

R. A palavra caridade, vós o sabeis, senhores, tem uma acepção muito extensa. Há caridade em pensamentos, em palavras, em atos. Ela não é tão somente a esmola. O homem é caridoso em pensa¬mentos sendo indulgente para com as faltas do próximo. A caridade em forma de palavra nada diz que possa prejudicar a outrem. A caridade em ações assiste ao próximo na medida de suas forças. O pobre que partilha seu pedaço de pão com um mais pobre do que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que o rico que dá do seu supérfluo sem de nada se privar. Quem alimenta contra seu próximo sentimentos de ira, de animosidade, de ciúme, de rancor, falta com a caridade. A caridade é a antítese do egoísmo. Este é a exaltação da personalidade, aquela a sublimação da personalidade. Ela diz para vós em primeiro lugar, para mim depois. E o outro: Para mim antes e para vós se sobrar. A primeira está toda inteira nesta frase do Cristo: "Fazei aos outros o que quiserdes que vos façam". Em uma palavra, ela se aplica a todas as relações pessoais.

A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social. Sem ela o homem construirá sobre a areia. Assim sendo, urge que os esforços e, sobretudo os exemplos de todos os homens de bem, a difundam; e que eles não se desencoragem ao defrontarem as recrudescências das más paixões. Elas são os inimigos do bem. Ganhando terreno, lançam-se contra ele; mas está nos desígnios de Deus que, por seus próprios excessos, elas se destruam. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.

Sem a caridade, não há instituição humana estável. E não pode haver caridade nem fraternidade, na verdadeira acepção do termo, sem a crença. Aplicai-vos, pois, a desenvolver sentimentos que, em se afirmando, destruirão o egoísmo que vos destrói. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas. Os abusos, nascidos do personalismo exacerbado, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade, e, sobretudo, pregai pelo exemplo: é a âncora da salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do Bem na Terra, pois o reino do Bem é o reino de Deus.

8. Seu caminho tem sido sempre fácil, sem obstáculos?

Crede, Senhores, as pedras não faltam em meu caminhol Passo por cima delas, mesmo das mais altas e pesadas. Se se conhecesse a verdadeira causa de certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas nos aguardariam!

É ainda preciso, entretanto, mencionar as pessoas que são postas, relativamente a mim, em posições falsas, ridículas e comprometedoras e que procuram se justificar, em última instância, recorrendo a pequenas calúnias: os que esperavam seduzir-me pelos elogios, crendo poder levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de suas manobras para atrair minha atenção; aqueles que não elogiei nem incensei e que isso esperavam de mim; aqueles, enfim, que não me perdoam por ter adivinhado suas intenções e que são como a serpente sobre a qual se pisa. Se todas essas pessoas decidissem se colocar, por um instante somente, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco mais do alto, compreenderiam o quanto o que as preocupa é pueril, e não se espantariam com a pouca importância que a tudo isso dão os verdadeiros espíritas. É que o Espiritismo abre horizontes tão vastos que a vida corporal, curta e efêmera, se apaga com todas as suas vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.

9. Haveria alguma censura que lhe tenha sido feita, que o senhor entende como sendo justa?

Não devo, entretanto, omitir uma censura que me foi endereçada: a de nada fazer para trazer de novo a mim as pessoas que se afastam. Isso é verdadeiro e a reprovação fundamentada. Eu a mereço, pois jamais dei um único passo nesse sentido e aqui estão os motivos de minha indiferença.
Aqueles que de mim se aproximam, fazem-no porque isto lhes convém; é menos por minha pes¬soa do que pela simpatia que lhes desperta os princípios que professo. Os que se afastam fazem-no porque não Ihes convenho ou porque nossa maneira de ver as coisas reciprocamente não concorda. Por que, então, iria eu contrariá-los, impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Ademais, honestamente, carece-me tempo para isso. Sabe-se que minhas ocupações não me deixam um instante para o repouso. Além disso, para um que parte, há mil que chegam. Julgo um dever dedi¬car-me, acima de tudo, a estes e é isso que faço.

10. Isso não seria orgulho? Desprezo por outrem?

R. Oh! Não! Honestamente, não! Eu não desprezo ninguém; lamento os que agem mal, rogo a Deus e aos Bons Espíritos que façam nascer neles melhores sentimentos. E isso é tudo. Se retornam, são sempre recebidos com júbilo. Mas correr ao seu encalço, isso não me é possível fazer, mesmo em razão do tempo que de mim reclamam as pessoas de boa vontade, e, depois, porque não empresto a certos Indivíduos a importância que eles a si próprios atribuem.

11. Mestre, poderia nos falar sobre como avalia o valor das pessoas?

R. Para mim, um homem é um homem, isto apenas! Meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, nunca por sua posição social. Pertença ele às mais altas camadas da sociedade, se age mal, se é egoísta e negligente de sua dignidade, é, a meus olhos, inferior ao operário que procede corretamente, e eu aperto mais cordialmente a mão de um homem humilde, cujo coração estou a ouvir, do que a de um potentado cujo peito emudeceu. A primeira me aquece, a segunda me enregela.

Homens da mais alta posição honram-me com sua visita, porém, nunca, por causa deles, um proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado, lhe direi simplesmente que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então, um pensamento me ocorria: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos outros prodígios!"

12. Tendo por aliada a alta sociedade, não seria mais fácil a difusão do Espiritismo?

Dependeria de mim abrir as portas da alta so¬ciedade, porém nunca fui nelas bater. Isso exigiria um tempo que prefiro empregar mais utilmente. Coloco em primeira instância o consolo que é preciso oferecer aos que sofrem, erguer a coragem dos caídos, arrancar um homem de suas paixões, do desespero, do suicídio, detê-lo talvez no limiar do crime! Não vale mais isto do que os lambris dourados? Guardo milhares de cartas que para mim mais valem do que todas as honrarias da Terra e que olho como verdadeiros títulos de nobreza. Assim, pois, não vos espanteis se deixo partir aqueles que me dão as costas.

13. Mestre, desejamos muito a sua presença e dos demais Espíritos bons em nossas reuniões. Como se pode caracterizar as reuniões que os atrai e as que os afasta?

Vale aqui lembrar que as reuniões exclusivamente compostas de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais faIa o coração, apresentam um aspecto muito especial: todas as fisionomias refletem a franqueza e a cordialidade. Nós nos encontramos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos onde reina a fraternidade. Tanto quanto os homens, os Espíritos aí se comprazem, e é então que se revelam mais expansivos, que oferecem as orientações de caráter mais íntimo.

Pelo contrário, nos ambientes onde se registram divergências de sentimentos, onde as intenções não são puras ou onde se observa o sorriso sarcástico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, onde se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre constrangimento, embaraço e desconfiança. Em tais locais os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes vêem-se paralisados pela influência dos maus fluidos que sobre eles pesam como um manto de gelo. Tivemos a ventura de assistir a numerosas reuniões que se enquadram na primeira categoria e registramo-las com grande alegria em nossos apontamentos, como as mais agradáveis lembranças que guardamos de nossa viagem. Reuniões desta natureza se multiplicarão sem dúvida à medida em que a verdadeira finalidade do Espiritismo for melhor compreendida. Essas são, igualmente, as que fazem a mais frutuosa e mais sólida propaganda, pois que reúnem pessoas bem intencionadas e preparam a reforma moral da Humanidade pregando pelo exemplo.

Fonte: Todas as respostas do Mestre foram extraídas dos discursos pronunciados por Allan Kardec aos espíritas de Lyon e Bordeaux, publicados no livro Viagem Espírita em 1862, Ed. O Clarim.

(retirado de www.ipeak.com.br)

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