sábado, 15 de maio de 2010

Ler Matéria - Revista RIE

Chico Xavier e o plágio
Eliseu Mota Júnior

Na polêmica matéria de capa da revista Superinteressante (edição 277 de abril de 2010), a repórter Gisela Blanco sugere que o médium Chico Xavier poderia ter plagiado o filósofo francês Ernest Renan, autor do célebre livro Vida de Jesus. De fato, uma hipótese para explicar a psicografia é a do plágio, que pode ser definido como a indevida apropriação intelectual pela cópia que o agente faz de uma criação literária ou artística já existente, tomando posse total ou parcial de obra alheia, de forma explícita ou implícita, dando à luz uma criatura espúria e dela assumindo a paternidade inexistente. No Brasil esta conduta é criminosa e está contida na ampla tipificação do art. 184 do Código Penal, que define o delito de violação de direito autoral.
Mas é evidente que a obra literária psicografada não é plágio apenas pelo fato de ser mediúnica, ainda quando versar sobre uma ideia ou tema já antes abordado, porquanto o “plágio só surge quando a própria estruturação ou apresentação do tema é aproveitada. Refere-se, pois àquilo a que outros autores chamam a composição, para distinguir quer da ideia quer da forma (José de Oliveira Ascensão, Direito de autor e direitos conexos, p. 65-66). E essa melindrosa questão do plágio remonta aos primórdios das artes, quando, segundo relata Antônio Chaves, o “plágio era, sem dúvida, praticado e reconhecido, mas não encontrava outra sanção senão a verberação do prejudicado e a condenação da opinião pública” (Criador da obra intelectual, pág. 39).
Por seu turno, Washington de Barros Monteiro, diante da sutileza do assunto, prudentemente adverte que o “plágio constitui matéria delicada, cujo reconhecimento demanda prova muito cuidadosa. Com efeito, autores notáveis, que sempre desfrutaram da maior nomeada, não lograram subtrair-se à pecha de plagiários. Assim, afirma Villenave que os poetas da antiguidade, como Virgílio, eram cheios de imitações, que, hoje, passariam por plágios. De modo idêntico, diz-se de Shakespeare que muitos de seus versos foram transcritos e outros modificados. Só uma pequena parte seria exclusivamente original. Aliás, escreve Somerset Maugham que vê com indulgência semelhante delito, acrescentando que os escritores tomam o respectivo material de uma fonte ou de outra (je prends mon bien où je le trouve) e apenas reconhecem a sua dívida, quando não têm outro remédio” (Curso de direito civil, Direito das coisas, p. 256/257).
A propósito, Emilio Rodrigué, psicanalista argentino formado em Londres e radicado no Brasil, publicou uma alentada biografia de Sigmund Freud, alertando que dificilmente deixaria de abordar detalhes da vida do célebre criador da psicanálise que seus biógrafos anteriores não tivessem revelado. Estaria ele confessando um plágio? Vejamos como Rodrigué responde a essa indagação, no seu próprio idioma: “¿Cómo haver un cierto ilegítimo abuso de la producción ajena? ¿Cuáles son los límites del decoro en el jardín de la propiedad privada intelectual? Ahora bien, considero que plagiar es un crimen ‘hediondo’ de menor cuantía. ‘Que me corten la mano...’, sería una alusión literal, en la medida en que plagiar trae ecos masturbatorios, de práctica secreta, de una apropiación imaginaria autoerótica —particularmente si consideramos que el plagio más común es el plagio a uno mismo. El plagio, como todo vicio, fascina. Estoy en buena compañía. “Plagiar —le escribe Freud a Jung—, ¡qué tentación!. Y le confiesa a Ferenczi: “Tengo un intelecto francamente complaciente y una fuerte tendencia al plagio” (Sigmund Freud — El siglo del psicoanálisis, Vol. I, p. 11-12). Na verdade, para a psicanálise parece que a tentação ao plágio é instintiva, pois, de acordo ainda com Rodrigué, “Freud se refiere a la ‘apropiación’ como una modalidad de los instintos del yo. Está en la naturaleza íntima del hombre” (Idem, em nota de rodapé).
Note-se que não estamos incentivando e muito menos aprovando o plágio. Longe disso. Apenas reiteramos que obra psicografada não é obra plagiada somente porque foi criada por meio mediúnico. Entretanto, como em qualquer outro tipo de obra literária, também na psicografada podem acontecer casos de apropriação parcial ou total de criação literária alheia preexistente — a conduta punível que configura o plágio —, caso em que a responsabilidade civil e penal deverá recair sobre o médium e seus editores, porquanto a eles cabe o dever de verificar a autenticidade daquilo que se decidem a publicar.

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