sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Não acreditemos em todos os Chicos

POR RONI COUTO

Seja por inocência ou pelo desejo de confundir, o fato é que frases, pensamentos e teorias costumam ter suas origens perdidas no tempo. Há, porém, outra estratégia: a de dar crédito a uma ideia, atribuindo-a a uma figura respeitável entre os adeptos.

Com Chico Xavier não é diferente, nem um pouco. Mesmo que seja mais fácil identificar o erro, porque Chico escreveu muito pouco por ele mesmo. As páginas dos mais de 450 livros psicografados por ele não são ideias suas, e por esse motivo não podem, absolutamente, receber sua assinatura.

Ele mesmo, espírito sincero e honesto, esclareceu que nada havia dele mesmo, em conversa com o confrade Elias Barbosa:

– Chico, dentro de alguns meses, terei material para formar um volume de Chico Xavier, ele mesmo.

Chico respondeu:

– O que é isso, meu caro? Não existe Chico Xavier, ele mesmo. Se é que eu tenha que existir, será Chico Xavier/Emmanuel, porque, de mim mesmo, em matéria de edificação espiritual, nada posso subscrever de vez que o nosso benfeitor da Vida Maior é que nos supervisiona a organização medianímica.1

Assim, se algo aparecesse como sendo de Chico Xavier, seria esperado que houvesse o nome do espírito comunicante.

Um exemplo interessante é a frase intensamente divulgada neste centenário: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. É atribuída a Chico, mas não se identifica a fonte. Pode ser uma frase do espírito Emmanuel ou de qualquer dos diversos espíritos que escreveram por ele. E agora, quem é o autor da frase?

Embora possam argumentar que isso não tem importância, a questão não é tão simples como parece. Com o livro “Parnaso de Além-Túmulo” esse argumento seria vazio. Porque a essência do livro é justamente a assinatura que acompanha cada poema. Dizer que a autoria não importa é desprezar todo o esforço do mundo espiritual em organizar a tarefa de Chico Xavier no mundo. Pode-se compreender, desde Allan Kardec, a movimentação em torno da mediunidade para explicar, de forma definitiva, que os mortos continuam vivos? Isso ficou bem claro na mensagem que serve de prefácio ao Evangelho: “Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, qual imenso exército que se movimenta ao receber as ordens do seu comando, espalham-se por toda a superfície da Terra e, semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos”.
O médium vira comunicante

Agora que Chico Xavier é espírito, a situação inverte-se. Hoje somos nós a analisar as muitas psicografias que trazem a assinatura de Chico. Segundo a revista Época, pelo menos 50 médiuns já disseram ter recebido mensagens de Chico.

Todos eles têm razão em afirmar que os espíritos são livres para se comunicar pelo médium que escolherem. Nesse caso, Chico Xavier, ele mesmo, pode ter se comunicado com todos esses médiuns. É difícil acreditar, porém, que uma das principais personalidades da Terceira Revelação esteja agora se comunicando sem um propósito claro, desordenadamente. Onde estaria a organização e o comando do mundo espiritual, que teria abandonado as tarefas direcionadoras do movimento espírita no mundo?

Definitivamente, não são todas essas mensagens originadas de Chico Xavier, não importa o quanto os médiuns e os adeptos estejam plenamente convictos de que seja ele, porque a verdade não precisa de nossas convicções pessoais para ganhar crédito. Apliquemos, como ensinou o mestre Kardec, a lógica na análise do conteúdo dessas mensagens, e nós vamos identificar claramente Chico Xavier nelas. Ou então concluir que é um engano, uma mistificação, nascida de nosso desejo de que Chico esteja perto, o que é muito louvável. Mas se vier de um desejo de ser o médium escolhido por Chico, é um sinal de alerta de que a vaidade já desvia esse dom divino que é a mediunidade.

O livro “O espírito de Chico Xavier”, psicografada pelo médium Carlos Baccelli, é a mais conhecida “visita” de Chico. Pesquisando as opiniões e análises sobre esse livro, concluímos que é muito difícil encontrar, nas rápidas e desorganizadas linhas psicografadas, a grandiosidade, a bondade e a intelectualidade do centenário Chico Xavier. O que é uma pena, porque o médium é convicto sobre a autoria.

Por tudo isso, acertou a Federação Espírita Brasileira ao propor, no Congresso Espírita Brasileiro, o respeito à privacidade espiritual de Chico Xavier. Compreende-se que todos queremos Chico conosco, mas é preciso saber esperar, porque se ele esteve tão perto durante tanto tempo, porque, afinal, não aproveitamos para aprender e renovar nossas atitudes?

1 Em “Entrevistas”, organizado por Salvador Gentile e Hércio Marcos Cintra Arantes.

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