A relação do compositor Philip Glass com o Brasil existe há anos, mas talvez seja mais fácil reconhecer seu nome a partir dos trabalhos musicais em filmes norte-americanos e ingleses, pelos quais chegou a ser indicado três vezes ao Oscar (por “As Horas”, “Notas sobre um Escândalo” e “Kundun”). Recentemente, se reaproximou do cinema brasileiro – ele já havia participado do filme “Jenipapo”, de 1995 - ao compor a trilha sonora de “Nosso Lar”, filme de Wagner de Assis inspirado no livro espírita homônimo assinado (ou psicografado) por Chico Xavier. Nas telas, a trama usa efeitos especiais para mostrar a trajetória do médico André Luiz em um mundo espiritual, onde passa a viver após sua morte na Terra.
A clara temática espírita não foi vista como barreira por Glass, que aceitou fazer parte do filme mesmo sem ter conhecimento sobre a doutrina. “Gostei das pessoas, gostei do que estavam fazendo e isto era bom o bastante para mim”, disse ao UOL Cinema em entrevista exclusiva por telefone (o compositor mora em Nova York, nos EUA). No início da conversa, Glass quis deixar claro, num tom preocupado, que seu desconhecimento não seria desrespeito. Aos poucos, na medida em que outros assuntos surgiram, a espontaneidade foi tomando conta da conversa, especialmente quando seu contato com o Brasil veio à tona.
Além de falar algumas frases em português, o músico citou alguns de seus trabalhos feitos por aqui e revelou que, apesar do seu currículo extenso em trilhas sonoras, não tem como hábito ir ao cinema. “Prefiro ver filmes em casa”, disse, sorrindo. A seguir, leia os principais trechos.
Como foi o seu contato com os produtores e diretor de “Nosso Lar” e como você entrou para o projeto?
Eu não os conhecia. Eles entraram em contato e nos conhecemos em Nova York. Então me mostraram um pouco do material, fiquei interessado e, apesar de o começo ter sido um pouco atrapalhado - acho que eles ainda estavam trabalhando no filme -, depois foi bem tranquilo. O filme ainda não estava pronto, mas vi boa parte dele, o suficiente para que eu pudesse trabalhar. Depois que terminei, a música foi gravada no Brasil. Na verdade eu não vi o filme pronto, mas eu vi bastante dele antes que estivesse pronto.
O fato de ser um filme espírita te encorajou a aceitar?
Não, não sei nada sobre a religião, mas há muitas coisas que não sei. Então não é uma crítica, de forma alguma, pelo fato de não conhecer. A doutrina é bem conhecida aí no Brasil, mas aqui [nos EUA] não, eu não conhecia. Mas achei que o trabalho era bem sincero e fiquei feliz de fazer parte. Não é meu trabalho fazer julgamentos, eu gostei das pessoas, gostei do que estavam fazendo e isto era bom o bastante para mim.
A trama é relacionada à morte do protagonista. Isto fez alguma diferença no momento de compor?
Eu já tinha feito trabalhos relacionados à morte (risos). “As Horas”, por exemplo, tem a ver com o assunto. Já fiz óperas sobre isto também. Então não é tão estranho para mim. Eu não tenho ideia do que acontece após a morte, mas não tem problema, eu não preciso saber. A história que eles me contaram [sobre “Nosso Lar”], achei que tivesse uma moral por trás
Como costuma ser seu método para trabalhar em filmes?
Normalmente eu começo olhando o roteiro. E entro em algum ponto antes de o filme ficar pronto. No caso do “Nosso Lar”, eu estava trabalhando no filme antes de ele terminar, o que é a melhor maneira, aliás, pois ajuda a música estar pronta. Não é muito bom ter o filme pronto e só depois fazer a música. Não dá muito certo. Os produtores e os diretores não têm muito tempo de inseri-la direito.
Antes de “Nosso Lar”, o senhor já tinha contato com o Brasil. Qual a sua relação com país?
Fui ao Brasil em um festival de jazz nos anos 1980 e gostei do país de cara. Eu queria ir para um lugar onde o inverno não fosse tão frio, pois Nova York pode ser muito fria. E fiquei no Brasil por um tempo, comecei a estudar a língua, fui para o Carnaval, conheci pessoas e músicos. Meu filho [Zack Glass] foi também e chegou a morar no Brasil por cerca de três anos. Ele é um bom compositor e a música brasileira o influenciou bastante. Não influenciou muito a minha música, pois eu já tinha uma formação estabelecida, mas gostei muito.
Você fala português?
Sim, falo português (fala em português). Fui muitas vezes ao Brasil. Mas não posso fazer a entrevista em português, pois ficaria muito sério (risos), prestando atenção. Meu filho é muito bom em português. Já fiz várias coisas no Brasil. Recentemente dividi espaço com Carlito Carvalhosa, que mora em São Paulo, trabalhei com o grupo Uakti, de Minas Gerais, fiz um balé para o Grupo Corpo e até fiz uma ópera em português [Corvo Branco], que vi em Portugal. Mas, apesar de ter uma relação mais do que casual com o país, há ainda várias coisas que eu não sei, como, por exemplo, as religiões.
Qual a freqüência com que você vê filmes? Vai bastante ao cinema?
Não vou muito ao cinema, mas trabalho bastante em filmes (risos). Compus para vários filmes, entre eles “Jenipapo”, da diretora Monique Gardenberg [co-produção entre Brasil e EUA], que é um belo filme. Mas não vou muito aos cinemas, prefiro ver filmes em casa.
Há compositores de filmes que você admira?
Há ótimos compositores, como Nina Rota, de filmes italianos, George Delerue, o compositor francês. Entre os americanos, gosto de Danny Elfman e Tom Newman, que é um dos melhores.
E dos filmes que você fez, há trabalhos que gosta mais?
Achei “As Horas” e “Sob a Névoa da Guerra” bons filmes, mas filmes como “Koyaanisqatsi” e “Powaqqatsi” me tocaram profundamente, apesar de serem filmes mais esotéricos, não muito populares. Fizemos as músicas nos anos 1980 e ainda toco nos concertos.
Para você, qual a preocupação que o cineasta tem que ter com a trilha sonora do seu filme?
A música não só dá a emoção, mas também articula a estrutura do filme. Ajuda o espectador a mergulhar na história. Eu trabalhei com ótimos diretores, como Martin Scorsese e Woody Allen, que sabiam muito bem como usar a música. As pessoas [cineastas] que não souberem usá-la perdem uma excelente oportunidade.
Um comentário:
Gostei muito da postagem!
bjs
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