Pedro Valiati
O título do nosso artigo não é estranho. Ele representa a pergunta de número 1000, feita por Kardec, no Livro dos Espíritos. Sabemos que a vida, como um todo, é um ir e vir, como numa maré, onde, num primeiro momento, levamos as impurezas e sujeiras, arrastadas à margem, e retornamos, com os mesmos vigor e pureza da onda, necessários para um novo ciclo de contato, junto à margem.
No entanto, nessas aparentemente intermináveis idas e vindas, o espírito adquire a maturidade, cada vez mais afinada de discernimento entre o bem e o mal. Paulatinamente, forma-se o senso de justiça e, com isso, a conscientização das ações e interesse em resgate das mesmas. Passamos, nesse momento, a perceber as nossas faltas e nódoas espirituais e, com isso, vem a cobrança interior para trabalhar o íntimo, de forma consciente, a buscar a felicidade. É certamente um estágio bastante interessante e louvável, na vida de todos, onde, por vontade própria, “juntamos os cacos” das nossas mazelas e, sem uma forte razão expiatória, apenas por pura consciência de fatos e de conduta espiritual, alçamo-nos ao resgate das nossas inconsequências. Porém, os nossos estigmas interiores, na forma de culpa, unidos a uma “pressa espiritual” para os resgates, nos fazem querer “adiantar as horas” do ressarcimento e passamos a nos comportar, na vida, como “cordeiros do sofrimento”. Encaramos, assim, cada dificuldade da vida, de forma passiva, sob a desculpa da dor necessária para o resgate de dívidas. Como se a tristeza indébita pagasse pecados... Então, passamos a acreditar, fielmente, que os sofrimentos “autodebitados” a nós mesmos são a medida certa do nosso resgate. Naturalmente que a resignação é peça fundamental, na cartilha de todo aquele que postule a felicidade futura; no entanto, a felicidade encontra-se muito mais conectada ao trabalho que à passividade. Se nos resignamos a estar ao lado de uma pessoa que nos cause embaraços constantes pelo resto das nossas vidas, que o façamos trabalhando pela melhora e reeducação da mesma. Que plantemos sementes úteis, durante tal convivência no relacionamento, e não nos coloquemos no papel, citado acima, de “cordeiros da existência”, sofrendo os males que a nós mesmos nos outorgamos, sem lutar, como se não houvesse propósitos regenerativos para ambos. Resignar-se, por convicção e sem lutas, é querer colher resultados onde não houve trabalho.
Ação no bem: eis a chave. Todos nós temos a possibilidade do auxílio, a começar em nossa própria casa. Por vezes, queremos “administrar” o auxílio que proporcionamos àqueles que estão à nossa volta. É comum avaliarmos o mérito das nossas ações de amor para com os outros, sob a forma de “ele não merece a ajuda”. O simples fato de alguém encontrar-se em dificuldades já nos coloca em posição de auxílio. Muitas vezes, porém, tal auxílio não venha da forma que o nosso companheiro de jornada espere, mas na forma de que ele necessite. Fazendo um “paralelo didádico”, lembro-me de determinado atendimento mediúnico, onde o espírito se colocava na posição de vingança e me solicitava auxílio para a causa própria. Retornando ao espírito, disse-lhe que estava ali com ele e para ele, dando-lhe o que estivesse ao meu alcance, porém, não da forma como ele a imaginava. Muitas vezes, as pessoas do nosso convívio nos imaginam como pontos de apoio, nas soluções de causas próprias; fazemos, então, por vezes, o papel de válvula de escape para as suas indolências, e tal comportamento é certamente nocivo a ambos. Por vezes, nossos companheiros de lar encontram-se tão viciados em tal hábito indolente que nos colocam como nossa a obrigação determinada para a solução dos seus problemas. Esse tipo de comportamento é bastante comum entre pais e filhos. Devemos tomar as rédeas e auxiliá-los; no entanto, não da forma como eles pensam. Educação e conscientização afiguram-se trabalho árduo e, certamente, uma ação no bem é muito mais útil que a passividade, que tudo aceita sob a forma de “resgate”. Se, após as tentativas reeducativas do nosso próximo, ele não venha a adotar o comportamento adequado, cabe-nos a resignação e continuarmos tentando e trabalhando. Lembremos a passagem do Cristo, em Mateus 5:40, “E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa”. Eis o papel da resignação.
A ação no bem é a que transfere o material impuro, adquirido através das ações infelizes das nossas idas e vindas, para fora de nosso íntimo. É um esforço contínuo, como o do mar, a devolver as impurezas para a terra, voltando à metáfora, citada ao início desta matéria. Devemos ter, em nós, a consciência de que o sofrimento não “paga pecado”, e a caridade deve ser a atitude incessante, em nossas vidas; é por isso que o Cristo não cansou de pregá-la e não perdeu a oportunidade de exercê-la.
A pergunta de Kardec, descrita no título deste artigo, não pode ficar sem resposta. Segue a mesma, transcrita parcialmente:
Já desde esta vida poderemos ir resgatando as nossas faltas?
“Sim, reparando-as. Mas, não creiais que as resgateis mediante algumas privações pueris... A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos...
Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem nos seus interesses materiais...
De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus se, perante os homens, conserva o seu orgulho?”
A ação no bem é a resposta às nossas cobranças interiores. O amor é o elo que nos associa a Deus e aos homens, fazendo-nos úteis a ambos e, principalmente, a nós mesmos.
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