Ricardo Orestes Forni
A revista VEJA, em sua edição de nº 2167, de dois de junho de 2010, páginas 238 a 239, traz uma reportagem sobre o purgatório, criado pelos homens, evidentemente. Vejamos. Os virtuosos vão para o céu; os pecadores, para o inferno. A doutrina cristã primitiva não poderia ser mais simples – nem mais assustadora: não há recurso para aqueles que ficam a meio caminho da redenção. Ou, pelo menos, não havia até que, lá pelo século XII, se estabeleceu um terceiro lugar na geografia escatológica: o purgatório. Esse espaço equívoco, ao mesmo tempo prisão e lugar de passagem, é objeto de um estudo abrangente e minucioso do historiador francês Michel Vovelle,...
Em outro trecho da referida reportagem, encontramos: “O termo latino purgatorium, com esse sentido, parece ter sido empregado, pela primeira vez, no fim do século XII, por Pierre Le Mangeur, um douto de Paris. No concílio de Lyon, em 1274, o purgatório já era promulgado como dogma – e confirmado nessa condição no Concílio de Florença, em 1439. O novo conceito ajudou a Igreja a administrar crenças populares antigas e renitentes: a noção supersticiosa de que os falecidos conservam influência sobre os vivos, seja na forma de entes protetores do lar, seja na de assombrações de cemitério. Essas concepções chocavam-se com o esquema binário céu-inferno, no qual não se admite acesso ao mundo dos mortos. O purgatório, ao contrário, é permeável às súplicas dos viventes. O fiel pode rezar pela salvação de seus entes queridos. E ainda pagar indulgência à Igreja, para redimi-los – ou, antecipadamente, para salvar a si mesmo. A reprovação a essa prática está no cerne das dissidências que levariam à Reforma Protestante, no século XVI. Lutero e seus seguidores, aliás, aboliram o purgatório.”
Arremata a reportagem citada que Essas interpretações literais do terceiro lugar perderam o sentido no desencantado século XX – mesmo entre os católicos, hoje o purgatório está fora de moda.
Para o Espiritismo, o purgatório não está fora de moda; muito pelo contrário, ele é real, e vivemos dentro dele, em cada reencarnação que temos. Não vamos para o purgatório, estamos nele, ou, pelo menos, em parte dele.
Recordemos os ensinamentos de Kardec, no livro O Céu e o Inferno.
“É, pois, nas sucessivas encarnações que a alma se despoja das suas imperfeições, que se purga, em uma palavra, até que esteja bastante pura para deixar os mundos de expiação como a Terra, onde os homens expiam o passado e o presente, em proveito do futuro. Contrariamente, porém, à ideia que deles se faz, depende de cada um prolongar ou abreviar a sua permanência, segundo o grau de adiantamento e pureza atingido pelo próprio esforço sobre si mesmo. O livramento se dá, não por conclusão de tempo nem por alheios méritos, mas pelo próprio mérito de cada um, consoante estas palavras do Cristo: A cada um, segundo as suas obras, palavras que resumem, integralmente, a justiça de Deus.” Nesse trecho, Kardec deixa bem claro que o próprio autor da consciência endividada perante a Lei é quem se livra do purgatório. Não há contagem de tempo e nem interferência alheia.
Mas, se o Espírito sofre, também, em determinadas regiões do mundo espiritual, de acordo com os erros que comete, não seria o purgatório localizado nessas regiões e não no planeta em que se encontra reencarnado? É novamente Kardec quem esclarece, ao ensinar que a expiação no mundo dos Espíritos e na Terra não constitui duplo castigo para eles, porém um complemento, um desdobramento do trabalho efetivo a facilitar o progresso. Do Espírito depende aproveitá-lo. E não lhe será preferível voltar à Terra, com probabilidades de alcançar o céu, a ser condenado sem remissão, deixando-a definitivamente?
Se o purgatório existe, porque Jesus não se referiu a ele? Esclarece Kardec que não existindo a ideia, não havia palavra que a representasse. O Cristo serviu-se da palavra inferno, a única usada, como termo genérico, para designar as penas futuras, sem distinção. Colocasse Ele, ao lado da palavra inferno, uma equivalente a purgatório e não poderia precisar-lhe o verdadeiro sentido, sem ferir uma questão reservada ao futuro; teria, enfim, de consagrar a existência de dois lugares especiais de castigo. O inferno, em sua concepção genérica, revelando a ideia de punição, encerrava, implicitamente, a do purgatório, que não é senão um modo de penalidade.
A grande realidade é que todo ato de violência contra qualquer reino da Natureza que represente o Amor Universal cria liames entre a consciência culpada e a dívida contraída. Essa cicatriz na consciência endividada deverá ser reparada, para que possamos sair do purgatório terrestre ou espiritual, em direção às regiões em plenitude de paz e felicidade eternas.
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