quinta-feira, 3 de junho de 2010

FENÔMENOS MEDIÚNICOS NA VIDA DOS SANTOS

Sylvio Ourique Fragoso



Parte VI



Santa Thereza de Jesus

Eis outra faceta da faculdade mediúnica de vidência de Thereza de Jesus:

"Outra ocasião me aconteceu outra coisa assim, que muito me espantou: achava-me num lugar onde morreu uma certa pessoa que tinha vivido muito mal, segundo o soube, e por muitos anos; mas havia já dois anos que tinha estado enferma e parece que alguma coisa se achava emendada. Morreu sem confissão, mas apesar disto não me parecia que havia de se condenar. Estando se amortalhando o corpo, vi que muitos demônios tomavam aquele corpo, parecendo que com ele jogavam e nele faziam justiça, o que me causou grande temor (...). Depois, quando lançavam o corpo na sepultura, tanta era a multidão dos que estavam dentro dela para recebê-lo que estava fora de mim de vê-lo e não se fazia mister pouco ânimo para dissimulá-lo".

Esta visão que teve Santa Thereza no cemitério, ao notar que muitos "demônios" aguardavam o corpo daquela pobre pessoa "que tinha vivido muito mal", poderia causar estranheza aos poucos afeitos aos ensinamentos doutrinários do Espiritismo, e aos teólogos, menos afeitos ainda. Com efeito, por que os "demônios" (Espíritos maus, pouco evoluídos) iriam se ocupar com o corpo do recém desencarnado, quando agora teriam maior facilidade em lhe assediar a alma, sem o entrave da matéria? Não ensinam as religiões que é a alma dos que "viveram mal" que o demônio conquista para as suas caldeiras? Então por que aguardar o cadáver na sepultura, quando o Espírito já ali não se achava?

A resposta nos é fornecida, com riqueza de detalhes, por André Luiz (Obreiros da Vida Eterna) o amorável instrutor espiritual, através do fiel medianeiro Francisco Cândido Xavier.

A cena descrita por André Luiz é também a de um enterro, que vamos resumir para aqueles que não conhecem a obra citada:

Dimas, recém desencarnado, acompanhava seu próprio féretro, como tão freqüentemente acontece, amparado por diversos amigos espirituais, entre os quais sua mãe, o ex-padre Hipólito e o próprio André Luiz. Leiamos o livro:

Seguíamos, ao fim do cortejo, em número superior a vinte entidades desencarnadas, inclusive o irmão recém liberto.

Abraçado à genitora, Dimas, em passos incertos e vagarosos, ouvia-lhe discretas exortações e sábios conselhos.

Entre os muitos afeiçoados do círculo carnal, reinava profundo constrangimento, mas, entre nós, imperava tranqüilidade efetiva e espontânea.

Prosseguíamos com as melhores notas de calma, quando nos acercamos do campo-santo.

Estranha surpresa empolgou-me de súbito. Nenhum dos meus companheiros, exceção de Dimas, que fazia visível esforço para sossegar a si mesmo, exteriorizou qualquer emoção, diante do quadro que víamos. Mas não pude sofrear o espanto que me tomou o coração. As grades da necrópole estavam cheias de gente da esfera invisível, em gritaria ensurdecedora. Verdadeira concentração de vagabundos sem corpo físico apinhava-se à porta. Endereçavam deletérios e pilhérias à longa fila de amigos do morto. No entanto, ao perceberem a nossa presença, mostraram carantonhas de enfado, e um deles, mais decidido, depois de fitar-nos com desapontamento, bradou aos demais:

- Não adianta! É protegido...

Voltei-me preocupado, e indaguei ao padre Hipólito o que significava tudo aquilo.

O ex-sacerdote não se fez de rogado.

- Nossa função, acompanhando os despojos - esclareceu ele, afavelmente, - não se verifica apenas no sentido de exercitar o desencarnado para os movimentos iniciais da libertação. Destina-se também à sua defesa. Nos cemitérios costuma congregar-se compacta fileira de malfeitores, atacando vísceras cadavéricas, para subtrair-lhes resíduos vitais.

Ante minha estranheza, Hipólito considerou:

Não é para admirar. O Evangelho, descrevendo o encontro de Jesus com endemoninhados, refere-se a Espíritos perturbados que habitam entre os sepulcros.

Mais adiante, prossegue André Luiz na narrativa:

Logo após, ante meus olhos atônitos, Jerônimo inclinou-se piedosamente sobre o cadáver, no ataúde momentaneamente aberto antes da inumação e, através de passes magnéticos longitudinais, extraiu todos os resíduos de vitalidade, dispersando-os, em seguida, na atmosfera comum, através de processo indescritível na linguagem humana, por inexistência de comparação analógica, para que inescrupulosas entidades inferiores não se apropriassem deles.

Eis aí a explicação daquilo que Thereza de Jesus vira, e que tanto espanto lhe causou. Entidades inferiores, num processo de vampirização, tomaram de assalto os despojos carnais do recém desencarnado que, por ter "vivido mal", não contava com a proteção de benfeitores espirituais, com os quais não se sintonizara. Aqueles Espíritos estavam sôfregos por absorver ao cadáver os últimos resíduos de fluido vital de que sentiam necessidade pelo grau de materialidade em que ainda se encontravam.

Vê-se assim que os feitos ditos milagrosos dos santos encontram total apoio e explicação nos ensinamentos que os Espíritos nos legam para nossa instrução. Mas Thereza de Jesus prossegue em suas narrativas:

"Já que comecei a dizer sobre visões de defuntos, quero dizer algumas coisas que a respeito de algumas tem sido servido o Senhor que eu veja de algumas".

E dentro da redundância, que lhe caracterizava os escritos, narra a seguir a visão que teve do Espírito do antigo Provincial, já desencarnado. Thereza orava por ele quando o vê à sua direita. Conta também que, certa feita, quando se diziam lições no coro sobre uma freira morta há dois dias, esta lhe aparece em Espírito. E Thereza conclui:

"Não quero dizer mais sobre estas coisas porque, como tenho dito, não há para que dizê-las, conquanto sejam muitas as que o Senhor me tem feito mercê de ver".

Ao contrário de Thereza de Jesus, achamos que há muitos motivos para que se diga das coisas de Deus e do Espírito. Servem elas para nos alertar da bênção da sobrevivência, das conseqüências de nossas atitudes para o destino de nossas almas, conseqüências que serão benéficas ou danosas conforme o uso que fizermos de nosso livre arbítrio, consoante o caminho que escolhermos quando de nossa jornada pelo invólucro físico. As vidências de Santa Thereza de Jesus servem para lembrar que as almas dos que morreram não vão para um lugar de eterna beatitude, o que vale dizer, de eterna inutilidade, nem para um lugar de eterno sofrimento, não menos inútil. Tampouco entram as almas em um estado de inconsciência, igualmente sem sentido, no aguardo de um "juízo final", após o que a imutabilidade das condições bem atestariam a falta de objetivo da Criação. Mas em lugar disto, as vidências de Thereza de Jesus são mais uma prova de que, após a morte, as almas continuam interagindo conosco e entre si, conscientes, individualizadas, sensíveis e livres, gozando o mérito de seus bons feitos e arcando ao peso da responsabilidade dos erros cometidos.

Thereza de Jesus, antes de deixar de narrar as visões que tivesse e de que "o Senhor foi servido", conta ainda ter visto o Espírito de outra freira, de 18 ou 20 anos, que lhe apareceu cerca de quatro horas após a morte física. Diz ter visto também, no Colégio da Companhia de Jesus, a alma de um irmão daquela casa, recém falecido, e ainda o Espírito de um frade, na hora mesmo em que este desencarnava.

Sobre seus dotes de vidência, diz a religiosa:

"Esta visão (...) jamais a vi com os olhos do corpo, nem nenhuma outra, e sim com os da alma. Os que sabem melhor que eu dizem que a passada é mais perfeita do que esta, sendo esta muito mais perfeita do que as que se vêem com os olhos do corpo. Dizem que estas últimas são as mais baixas e onde mais ilusões pode o demônio fazer (...) aliás desejada (...) fosse (...) com os olhos corporais, para que o confessor não me dissesse que era representação de minha imaginação (...)".

Como se nota, Thereza de Jesus andou sofrendo com a incredulidade dos que não lhe compreendiam a sensibilidade mediúnica.

Entidades inferiores andaram tentando aparecer à santa em forma de um Espírito luminoso, que ela julgava ser o próprio Cristo. Não o conseguiram, porém, como diz a religiosa:

"(...) toma a forma da carne, mas não pode contrafazê-la com a glória que se nota quando é de Deus".

Normalmente os médiuns videntes guardam a impressão de que podem ver os Espíritos pelos olhos físicos, e nisto Thereza mostrou estar bem informada. Efetivamente, Kardec (O Livro dos Médiuns) viria a ensinar, séculos mais tarde, que o "médium vidente julgava ver com os olhos, como aqueles que têm a dupla vista; mas na realidade é com a alma que vê, e essa é a razão pela qual eles vêem tanto com os olhos abertos como com eles fechados".

Sobre a identificação de um mau Espírito, o Codificador foi instruído no sentido de que "muitos médiuns reconhecem os bons e os maus Espíritos pela impressão agradável ou penosa que experimentam à sua aproximação". Além disso, embora um Espírito inferior possa imitar, no aspecto, um que lhe seja superior, não consegue imitar-lhe a luminosidade da aura, e assim um médium experiente pode desmascará-lo como o fez Thereza de Jesus, que não se deixou enganar pelos que "não eram de Deus", como disse.

dezembro/1979

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