quinta-feira, 3 de junho de 2010

FENÔMENOS MEDIÚNICOS NA VIDA DOS SANTOS

Sylvio Ourique Fragoso



Parte VIII



Santa Liduína

(Obra consultada: A Santa dos Doentes - Liduína de Schiedam , do Pe. Arlindo Rupert. Nihil Obstat, Pe. Leônidas Didonet. Imprimatur, Mons. Floriano P. Cordemunsi - Vigário Geral).

Filha de Pedro e Pedronila, pobres, honrados e piedosos, nasceu Liduína em Schiedam, na Holanda, em 1380.

Aos 15 anos é vítima de uma enfermidade que lhe produz uma deformação óssea, que faz com que seus pretendentes se afastem, coisa que em absoluto não desagrada a Liduína, que pretendia votar sua vida às práticas religiosas.

Gostava, porém, a menina, de brincar com as companheiras, e assim é que um dia vêmo-la a patinar no gelo. Uma amiga, em meio ao folguedo, dá-lhe um empurrão e Liduína cai, fraturando uma costela. Os esforços médicos não lhe conseguem minorar a dor (estávamos em 1395 ou 96). O ferimento produzido pela costela fraturada foi se agravando, produzindo-lhe dores atrozes, que não lhe permitem encontrar no leito posição que dê conforto.

Desesperada, Liduína atira-se um dia da cama e na queda rompe-se-lhe o abscesso que se havia formado.

A moça agora arde em febre. Seu corpo exala mau cheiro, e seus amigos evitam quanto pode sua presença, o que faz com que ela sofra física e moralmente.

Entre suas virtudes os biógrafos narram algumas de suas rebeldias, que lhe desmentiriam a santidade, não fora a puerícia do caso narrado. Trata-se, possivelmente, de uma lenda, como as muitas encontradas nos hagiógrafos, mas que a Igreja tem como verdadeira. Vejamos o que diz Arlindo Rubert:

"Ao vigário avarento, pedira Liduína que lhe remetesse um pouco de graxa de uns frangos que ele mandara preparar. Precisava para medicar a ferida. Desculpou-se o religioso dizendo que eram magros e a pouca graxa que deram, mal bastava para os fritar. Liduína fitou-o um instante e disse:

- Vós me recusais o que peço, a título de esmola, em nome de Jesus. Bom, eu peço a nosso Salvador para que vossas aves sejam devoradas pelos gatos"!

"Na manhã seguinte, ao abrirem o armário, encontraram apenas os ossos, pois os gatos haviam comido tudo"!

Não vamos nos deter a comentar essa estorieta. Mas se alguém duvida que muitos a aceitam como verossímil, basta procurá-la na obra em que nos baseamos...

Após muito sofrer, Liduína acaba por se conformar e a desejar, mesmo, o sofrimento, como meio de purificação. Em seu leito de dor permaneceu por trinta e oito anos. Seu estômago não aceitava alimento algum e, com as dores que tinha de suportar, Liduína quase não dormia. Nesse estado de coisas, morre-lhe a mãe. O pai, já velho e alquebrado, mal pode prestar cuidados à filha.

Certa noite, uma vela põe fogo em seu leito, queimando-lhe um braço. Era mais um sofrimento que vinha se somar aos antigos, que já tanto lhe doíam.

Entre as graças que lhe atribuem os biógrafos, uma foi a de apresentar no corpo, as chagas de Cristo. Como Antônio de Pádua, produzia bilocações. Entrava em transes e, mais nitidamente, se observava seu potencial mediúnico. Vejamos o que diz, literalmente, a obra consultada:

"Caía freqüentemente em êxtase e arrebatamento, falava com os celícolas, recebia e transmitia importantes revelações, predizia coisas futuras, gozava da presença de seu Anjo da Guarda e via a sorte de muitas almas na outra vida".

Constituirá novidade algum desses fenômenos aos espíritas? Excetuando a denominação de "celícolas", dir-se-ia que o trecho acima fora extraído de alguma obra espírita, onde se analisasse a produção mediúnica de alguém.

Com relação aos estigmas, deve-se considerar, por economia de hipóteses, terem sido simples escaras produzidas pela prolongada permanência no leito. De qualquer forma, um alto grau de sugestionabilidade pode fazer com que eles apareçam, independentemente de um contingente mediúnico. Por hipnose já se produziram estigmatizações à simples indução verbal. No caso das chagas imitarem os ferimentos de Jesus, por exaltação religiosa, elas se formam no local em que se supunha que Cristo as tivesse sofrido, isto é, nas palmas das mãos, e não nos carpos, onde verdadeiramente os cravos foram pregados.

Muito provavelmente Liduína, durante seus "arrebatamentos", ao transmitir as tão importantes revelações (que infelizmente ficaram em segredo), estivesse incorporada. O biógrafo não fornece maiores detalhes sobre a maneira como ela recebia e transmitia suas mensagens, mas a condição estática sugere obnubilação da consciência, e a incorporação parece ser o que tenha ocorrido.

Dentre suas previsões, uma foi a de um incêndio na cidade. Quando o fogo atingiu sua casa, os parentes quiseram removê-la, mas Liduína afirmou que nada sofreria e, de fato, o incêndio não chegou a lhe causar danos.

De outra feita, uns homens numa taverna falavam sobre ela, com comentários desairosos, chamando-a de hipócrita e fingida. Um dentre eles, porém, a defende, dizendo serem autênticos os fenômenos que produzia. Otagero era seu nome. No outro dia, Liduína chama seu confessor (não o das galinhas) e pede que vá agradecer àquele homem o que por ela fizera na véspera.

Em outra oportunidade, Liduína assiste à morte de um conhecido, Gerardo, sem sair de seu leito.

Em certa ocasião, ao ser visitada por uns religiosos, passou a lhes descrever o interior de seu convento, onde nunca havia estado.

Liduína enxergava, freqüentemente, seu "Anjo da Guarda", com o qual por vezes dialogava. Certa feita, Catarina de Simon, amiga da enferma, mostrou desejos de ver o anjo de que Liduína tanto falava. A doente pede e o "anjo" aparece, chegando a causar perturbação em sua amiga, principalmente pela expressão de seu olhar. Foi ele visto na aparência de um jovem, envergando uma túnica branca. Nada de asas ou auréolas.

Em certa noite, notam os moradores da casa que do quarto de Liduína vinha um estranho clarão. Pensando ser um incêndio, correm para lá, mas a enferma os tranqüiliza, pois que nada havia ali. Pouco depois, lá estava ela a conversar com seu anjo protetor, cujo manto resplandecia.

Sobre o Anjo da Guarda, a obra que estamos consultando traz curiosíssimos e instrutivos comentários. Sobre a maneira como Liduína o via, diz o livro:

"Ela o percebia nas aparências de um jovem que trazia na fronte uma cruz resplandecente. Graças a este sinal, podia distingui-lo do anjo das trevas, quando se disfarçava em anjo de luz, para melhor a enganar".

Tudo isto, como se vê, está perfeitamente concordante com os ensinos espíritas. Na verdade, embora a um Espírito inferior não seja impossível alterar sua forma perispiritual de sorte a se assemelhar a outra entidade, para assim mistificar os médiuns, jamais consegue imitar a luz que portam os Espíritos superiores, pois que esta é um patrimônio que se conquista.

Eis outro comentário digno de nota:

"Infelizmente em nossos dias parece muito diminuída a fé e a crença no doce companheiro de todos os nossos passos, o fiel Anjo da Guarda, dado por Deus a todos. Às mais das vezes pensamos que é uma devoção boa para as crianças, assim que a arte cristã se limita a representar o Santo Anjo apenas como protetor e defensor dos pequenos. É um erro, pois o celestial amigo nos acompanha até ao túmulo e, segundo visões de Santa Liduína, até no Purgatório, deixando-nos somente ao ingressarmos no Céu".

Mais adiante, diz o biógrafo:

"O Anjo de Liduína afastava-se e desaparecia toda vez que ela cometia alguma imperfeição".

Não resistimos à tentação de transcrever aqui um trecho de O Livro dos Espíritos de Kardec, cujo sentido tão próximo está do que foi escrito sobre Liduína, que quase diríamos não ser a obra basilar do Espiritismo desconhecida do autor que escreveu sobre a "santa dos doentes".

Vejamos o que diz a primeira obra espírita publicada, a partir da questão 490:

"Que se deve entender por anjo da guarda?"

"O Espírito protetor de uma ordem elevada".

"O Espírito protetor é ligado ao indivíduo desde o nascimento?"

"Desde o nascimento até a morte, e freqüentemente o segue depois da morte, na vida espírita e mesmo através de numerosas existências corpóreas (...)".

"O Espírito protetor abandona às vezes o protegido, quando este se mostra rebelde às suas advertências?"

"Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis e é mais forte a vontade do protegido em submeter-se à influência dos Espíritos inferiores, mas não o abandona completamente e sempre se faz ouvir (...)".

"Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre ao vosso lado seres que vos são superiores, que estão sempre ali para vos aconselhar, vos sustentar (...) que são amigos mais firmes e devotados que as mais íntimas ligações que se possam contrair na Terra, não é essa uma idéia bastante consoladora? Esses seres ali estão por ordem de Deus".

Como se vê, alguns irmãos de outros credos, que esconjuram o Espiritismo ou escarnecem dos que nele crêem, ou não entendem nada do Espiritismo, ou não entendem nada de suas próprias religiões. Mas pode ser também que não entendem das duas coisas...

fevereiro/1980

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