Sylvio Ourique Fragoso
Parte XI
Santo Antônio de Pádua
(Obra consultada: História de Santo Antônio de Pádua, do Revmo. Pe. At. Imprimatur, de Monsenhor Castro, Vigário Geral).
Este, um dos maiores taumaturgos da Igreja. Incorporado às tradições populares do Brasil e de Portugal, é dos mais simpáticos à alma do povo e depositário da esperança de quantos se desesperam de casar.
Nasceu em 1195, em Lisboa, recebendo o nome de Fernando de Bulhões. Aos quinze anos entrou para o convento dos Cônegos de Santo Agostinho, transferindo-se depois para o Mosteiro de Coimbra, onde esperava se ver livre do assédio de parentes, a fim de poder mais se dedicar às orações e ao estudo da Teologia. Em 1220, após contemplar os cadáveres de cinco missionários franciscanos, mortos em Marrocos, mudou-se para o Convento dos Franciscanos, adotando o nome de Antônio.
Famoso por seus dotes oratórios, por seu intermédio muitos fenômenos mediúnicos tiveram lugar, o que fez com que São Boaventura escrevesse: - "Se procurais milagres, ide a Antônio". Vejamos alguns.
Na Abadia de Solignac, diocese de Limoges, havia um monge "atormentado pelas tentações da carne". De nada lhe valiam os jejuns, as orações, vigílias e macerações. O pobre religioso procurou, então, a Antônio, cuja fama já era grande, e pediu ajuda. Tirando a túnica que usava, o taumaturgo manda que o monge com ela se vista. Vejamos o que diz textualmente a obra que consultamos:
"Apenas o religioso fez o que Antônio ordenara, uma virtude poderosa comunicou-se das dobras da pobre túnica. Era como uma emanação da castidade de alma e de corpo daquele a quem ela pertencia. O efeito não se fez esperar. A tempestade dos sentidos aplacou-se logo no religioso, que não sentiu mais agitações de tal ordem".
Consideremos o que terá havido aqui.
Embora sem perder de vista a possibilidade de que tudo não tenha passado de uma auto-sugestão sofrida pelo monge, ao vestir o manto de quem tinha em alta conta, o fenômeno tem muita característica daqueles em que há transmissão de energias fluídicas. No Ato dos Apóstolos encontramos fato semelhante:
Deus fazia milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos que tinham tocado seu corpo eram levados aos enfermos; e afastavam-se deles as doenças e retiravam-se os espíritos malignos. (At.19,11 e12).
Na obra de Roque Jacintho Passe e Passista, lemos:
"As peças do vestuário, assim como os objetos de uso pessoal, são condutores de fluidos. Justapostos ao corpo, transmitir-lhe-ão os recursos de cura ou de melhora de suas enfermidades orgânicas ou psíquicas, influindo inclusive nos acompanhantes desencarnados em estado de infeliz desequilíbrio".
É o que parece ter havido no caso que narramos. O monge deveria ter seus instintos açulados por um desequilíbrio emocional de que se valiam entidades obsessoras. Note-se a maneira como o religioso procurava se libertar de seus tormentos: vigília, jejum, macerações. Que mais seria preciso para um depauperamento físico e psíquico? A capa de Antônio, impregnada que estava de seus fluidos, teria bastado para restabelecer o equilíbrio psico-físico, e afastar as entidades perturbadoras, dando ao monge a calma que almejava.
Dos milagres de Antônio de Pádua, o mais famoso porém, talvez seja o da bilocação, mediante o qual, estando a orar na Espanha, apareceu em Pádua, a tempo de interceder em favor de seu pai, que ia ser enforcado injustamente. Esse tipo de fenômeno, bastante comum, tem constituído motivo para muitas e muitas páginas escritas por pesquisadores de todas as partes do mundo. Durville ao fazer experiências com duas pacientes magnetizadas, Minette e Marta, notava que delas se desprendia como que um vapor que se adensava e assumia a forma física das pacientes adormecidas, afastando-se de seus corpos.
O caso de Émile Sagée é famoso. Narrado por Aksakof (Animismo e Espiritismo) foi alvo de comentário de muitos outros autores. Em 1945 lecionava ela em Riga, no Colégio Neuwelcke. Por seus dotes era muito estimada, mas as alunas do colégio viviam assustadas, pois costumavam ver a professora em lugares diferentes e ao mesmo tempo. De uma feita, 42 alunas viram que enquanto o corpo físico de Émile estava sentado em uma cadeira, imóvel, no jardim seu duplo fluídico passeava a brincar com as flores. No momento em que uma das alunas, vencendo o espanto, tocou o corpo de Sagée, na cadeira, instantaneamente sua imagem desapareceu no jardim, como uma bolha de sabão que rebentasse.
Como os pais de muitas alunas começassem a retirar suas filhas do colégio, onde as moças viviam apavoradas, Émile teve de ser despedida. Era a 19ª vez que isto se dava, pelo mesmo motivo.
Voltemos ao nosso biografado.
Finalmente, depois de uma vida de sacrifícios e de abnegação, o grande médium está à morte. Longe dali, o abade de Vercelli orava em seu quarto, quando Antônio entrou, saudou-o e disse:
- "Sr. abade, comunico-lhe que deixei o meu asno (o corpo) em Pádua; parto pressuroso para a minha pátria".
E desapareceu.
O abade tomou nota do dia e hora do acontecido, constatando posteriormente ter havido coincidência entre a aparição e a morte de Antônio.
Não se pode deixar de encomiar ao abade de Vercelli pela sua lembrança de anotar o momento em que o fenômeno se deu. Em 1231 já existiam pessoas com pendores para as pesquisas psíquicas...
Quanto ao fenômeno em si, por certo nenhuma estranheza há de causar ao leitor que bondosamente nos acompanha, pois que as manifestações desse gênero, no momento da morte, são tão freqüentes que cremos ser rara a família que não tenha fato análogo em sua história. De incidentes dessa ordem estão repletos os livros espíritas e os de pesquisas paranormais. Flammarion dedicou todo o segundo volume de A Morte e o Seu Mistério a tais fatos. Nihil novum sub solem... Mas Antônio não só apareceu de forma inequívoca, como também falou. Será isto muito extraordinário?
Embora menos comum que a simples aparição no momento da morte, o fato do fantasma falar não é, contudo, inédito. Vejamos o caso seguinte, que Flammarion retira de Coisas Vistas, de Victor Hugo:
A Sra. Guérin, de 66 anos estava enferma. Às cinco horas da manhã, como sua filha se dispusesse a ir visitar a Sra. Lanne, antiga tendeira que àquela hora deveria estar de volta do campo, a Sra. Guérin diz à filha:
- "É inútil. A Sra. Lanne morreu. Às quatro horas da manhã, estando bem acordada, vi a Sra. Lanne passar e dizer: - Vou partir. Vindes também?"
Constatou-se depois que a velha tendeira havia, de fato, desencarnado naquele horário.
É ainda Flammarion que nos brinda com este outro caso, que lhe foi narrado por carta:
Um tenente de São Luiz do Senegal havia se deitado lá pelas onze horas. Acordou, depois, sentindo forte pressão no peito e, bruscamente sacudido, sentou-se na cama, tendo à frente a sua avó que lhe diz:
- "Venho dizer-te adeus, meu querido menino; nunca mais tornarás a ver-me".
O horário da aparição coincidiu com o da morte da anciã.
Ao abade de Vercelli, o Espírito de Antônio diz que parte pressuroso para sua pátria, e este fato foi tido como milagroso. Esta aparição a Igreja reconhece como verdadeira. Mas vá alguém falar de uma avó que venha dizer adeus ao neto querido, antes de partir, ela também, para a sua pátria...
Aí ficou, num exame "à vol d’oiseau", a biografia de alguns vultos notáveis dentre as muitas centenas que ilustram o vasto acervo hagiológico, e os principais feitos mediúnicos que os celebrizaram. Em rápidas pinceladas pôde-se comparar os fatos ditos milagrosos e a fenomenologia espírita, de montante não menos rica. Qualquer dos fenômenos analisados poderia, sem dúvida, receber maior aprofundamento, mas a literatura especializada é facilmente disponível e nela o leitor interessado encontrará melhor exposição que aquela que poderíamos fazer.
Do enorme volume hagiológico, apenas tratamos de uns poucos santos, dentre os mais conhecidos, mas em todos a tônica é a mesma: intuições, premonição, visões, levitação, curas, aparições, etc.
Um fato é notório, e ele sintetiza todo o objetivo destas nossas linhas. Se qualquer dos médiuns cuja memória o Espiritismo guarda em seus anais, vivesse em ambiente monástico, se andassem eles a braços com a Igreja que tão asperamente os repudia, então sua visões, suas mensagens, suas produções mediúnicas, enfim, seriam tidas na conta de milagres. As almas que por eles se manifestassem, o teriam feito "por permissão de Deus" e seriam almas de santos ou seriam anjos. Os Espíritos endurecidos doutrinados ou afastados, seriam "demônios" e as mensagens que esses médiuns recebessem seriam "revelações divinas", ciosamente guardadas na sombra dos monastérios. E sem dúvida tais médiuns, após a formalização dos processos canônicos, seriam beatificados e depois canonizados, podendo então interceder por nós junto a Deus. Essencialmente, seriam de natureza tão espiritual quanto qualquer outro que deste planeta de ilusões e preconceitos tenha partido, e biologicamente estariam tão mortos quanto os antepassados que os leitores, como nós, relembramos saudosos. Mas aqueles outros teriam direito a falar, aparecer, intuir-nos, materializarem-se, dar-nos proteção e nos acolher quando a nossa hora também fosse chegada. Porque, para isso, julgamentos humanos haviam dado a devida concessão, através de um ato litúrgico e de um título conferido. E com toda a certeza teríamos para logo o santo brasileiro, que tantas pessoas desejam. Provavelmente viria ele dos cafundós das Minas Gerais que, esgotados os filões auríferos que lhes deram o nome, teriam produzido um ouro espiritual, muito mais precioso, porque os ladrões não roubam e nem o tempo esfarela.
Como, porém, a ideologia filosófico-religiosa é outra, temos de permanecer anatematizados, excomungados, e olhados com suspeita. Livre-nos Deus de voltarem a arder as fogueiras da Inquisição, também chamada santa, pois que aí seríamos, nós por termos escrito, e os leitores por haverem lido, devidamente churrasqueados em praça pública, tudo em nome da fé, da moral e dos costumes.
FINAL
maio/1980
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